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São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

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TERRITÓRIO OCUPADO

Comprador mantém posse de terreno da prefeitura há cinco meses; construção de parque foi interrompida

Posseiro vende área pública de R$ 15 mi

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma área de 31.613 m2 em região nobre de São Paulo foi vendida, em março de 2001, por R$ 200 mil, menos de 1,4% de seu atual valor de mercado -entre R$ 14,8 milhões e R$ 16,9 milhões, segundo a Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio). O tamanho dela equivale a 121 quadras de tênis ou 195 de vôlei.
O caso poderia ser somente uma estranha transação imobiliária se não envolvesse terrenos públicos municipais, segundo registros da prefeitura paulistana.
O vendedor, que teria embolsado a quantia, é um posseiro que alega ter direitos de usucapião e que a área é privada. O comprador, embora não tenha a propriedade definitiva, mantém há cinco meses, por força de liminar, a guarda de 11.081 m2 -onde deveria ser construído um parque.
O espaço em questão fica nas proximidades da Chácara Flora e da Chácara Monte Alegre, zona sul, no distrito de Santo Amaro. É dividido pela rua Breves em duas áreas, de 20.532 m2 e de 11.081 m2.
Segundo Osvaldo Figueiredo Maugeri, diretor do Departamento Patrimonial da prefeitura, ele foi incorporado ao patrimônio público na época do loteamento da região -nos anos 50. O ex-proprietário, como contrapartida legal do parcelamento da terra, teve de destinar uma parte do terreno para a municipalidade.
Desde aquela época, ninguém paga os IPTUs das glebas. E a antiga Administração Regional de Santo Amaro, que as utilizava para depositar entulho, designou seu funcionário Misael Galdino de Lima, 55, para vigiá-las.
Os dois terrenos foram repassados por R$ 100 mil cada ao japonês Gumpei Yamada, 62, como parte de um "Instrumento Particular de Cessão e Transferência de Direitos Possessórios".
O vendedor informa, no documento, possuir "de forma mansa e pacífica" a referida área, por mais de 28 anos, e repassa a Yamada os direitos de reivindicar a escritura dela por meio de ações de usucapião, que correm na Justiça desde agosto de 2001.
O processo judicial é contraditório a respeito do vendedor. Yamada apresentou inicialmente uma declaração assinada por Lima, vigia da regional que tinha justamente a função de cuidar dos terrenos e que se aposentou em março de 2002, e pela mulher dele, Lucy Onofre de Souza Lima. Eles vivem em uma casa da prefeitura vizinha à área de 31.613 m2.
Mais de oito meses depois de entrar com a ação de usucapião, Yamada fez uma "correção": quem teria vendido o terreno e recebido os R$ 200 mil seria Jovelino Nunes Batista, agricultor, e não Lima e sua mulher. O endereço dos três é o mesmo. O advogado alegou ter havido "confusão na elaboração dos documentos" anteriores. Só há reconhecimento de assinaturas em cartório na declaração de Misael de Lima e Lucy.

Parque
Enquanto a transação da área da rua Breves era feita entre particulares, a prefeitura, a pedido dos moradores do bairro, decidiu destinar a gleba de 11.081 m2 à construção de um parque. Máquinas da regional de Santo Amaro limparam os terrenos e foi marcada a cerimônia simbólica de começo das obras para abril de 2002.
Duas semanas antes, servidores municipais depararam com um segurança particular, que bloqueou a passagem com correntes. Os vizinhos se mobilizaram, e a regional rompeu os bloqueios.
Só no dia da festa simbólica é que Maria Cristina Almeida Antunes, presidente da Sajape (Sociedade Amigos do Jardim Petrópolis), que reivindicava a construção do parque, soube que esse vigia fora contratado a pedido de Gumpei Yamada, comprador dos "direitos possessórios". Ele decidiu processá-la e pedir a reintegração de posse na Justiça -contra ela, e não contra a prefeitura.
Maria Cristina alegou que a área era pública e que a regional de Santo Amaro, e não ela, era responsável pela construção do parque, que foi interrompida. Mas uma liminar favorável a Yamada foi concedida em setembro pelo juiz Valdecir José do Nascimento.
No despacho, embora ressalve que a prefeitura poderá se manifestar futuramente, ele diz: "Resta saber onde estaria o interesse da municipalidade, já que, até agora, ela não interveio nestes autos".
O juiz justificou ainda a decisão por causa da "prova oral": um oficial de justiça enviado ao bairro e que conversou somente com Lima, suposto posseiro, avaliou haver suspeitas da ocupação da área por Maria Cristina, da Sajape.
A Procuradoria Geral do Município diz não ter sido notificada da ação, que se dava entre particulares, e pediu vistas do processo quatro dias após a liminar. No final de outubro, Nascimento, em um despacho ao desembargador Viseu Júnior, voltou a afirmar: "A própria municipalidade parece que por ele [terreno" não se interessa. (...) Embora a Procuradoria tivesse solicitado vista dos autos em 20 de setembro, até agora não externou posicionamento".
Em 26 de dezembro, a prefeitura informou à Justiça que a área é pública. Pediu a revogação da liminar favorável a Yamada no final de janeiro deste ano -quando a gleba já estava sob posse dele havia mais de quatro meses.


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