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TERRITÓRIO OCUPADO
Comprador mantém posse de terreno da prefeitura há cinco meses; construção de parque foi interrompida
Posseiro vende área pública de R$ 15 mi
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma área de 31.613 m2 em região nobre de São Paulo foi vendida, em março de 2001, por R$ 200
mil, menos de 1,4% de seu atual
valor de mercado -entre R$ 14,8
milhões e R$ 16,9 milhões, segundo a Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio). O
tamanho dela equivale a 121 quadras de tênis ou 195 de vôlei.
O caso poderia ser somente
uma estranha transação imobiliária se não envolvesse terrenos públicos municipais, segundo registros da prefeitura paulistana.
O vendedor, que teria embolsado a quantia, é um posseiro que
alega ter direitos de usucapião e
que a área é privada. O comprador, embora não tenha a propriedade definitiva, mantém há cinco
meses, por força de liminar, a
guarda de 11.081 m2 -onde deveria ser construído um parque.
O espaço em questão fica nas
proximidades da Chácara Flora e
da Chácara Monte Alegre, zona
sul, no distrito de Santo Amaro. É
dividido pela rua Breves em duas
áreas, de 20.532 m2 e de 11.081 m2.
Segundo Osvaldo Figueiredo
Maugeri, diretor do Departamento Patrimonial da prefeitura, ele
foi incorporado ao patrimônio
público na época do loteamento
da região -nos anos 50. O ex-proprietário, como contrapartida
legal do parcelamento da terra, teve de destinar uma parte do terreno para a municipalidade.
Desde aquela época, ninguém
paga os IPTUs das glebas. E a antiga Administração Regional de
Santo Amaro, que as utilizava para depositar entulho, designou
seu funcionário Misael Galdino
de Lima, 55, para vigiá-las.
Os dois terrenos foram repassados por R$ 100 mil cada ao japonês Gumpei Yamada, 62, como
parte de um "Instrumento Particular de Cessão e Transferência
de Direitos Possessórios".
O vendedor informa, no documento, possuir "de forma mansa
e pacífica" a referida área, por
mais de 28 anos, e repassa a Yamada os direitos de reivindicar a
escritura dela por meio de ações
de usucapião, que correm na Justiça desde agosto de 2001.
O processo judicial é contraditório a respeito do vendedor. Yamada apresentou inicialmente
uma declaração assinada por Lima, vigia da regional que tinha
justamente a função de cuidar dos
terrenos e que se aposentou em
março de 2002, e pela mulher dele, Lucy Onofre de Souza Lima.
Eles vivem em uma casa da prefeitura vizinha à área de 31.613 m2.
Mais de oito meses depois de
entrar com a ação de usucapião,
Yamada fez uma "correção":
quem teria vendido o terreno e recebido os R$ 200 mil seria Jovelino Nunes Batista, agricultor, e
não Lima e sua mulher. O endereço dos três é o mesmo. O advogado alegou ter havido "confusão na
elaboração dos documentos" anteriores. Só há reconhecimento de
assinaturas em cartório na declaração de Misael de Lima e Lucy.
Parque
Enquanto a transação da área da
rua Breves era feita entre particulares, a prefeitura, a pedido dos
moradores do bairro, decidiu destinar a gleba de 11.081 m2 à construção de um parque. Máquinas
da regional de Santo Amaro limparam os terrenos e foi marcada a
cerimônia simbólica de começo
das obras para abril de 2002.
Duas semanas antes, servidores
municipais depararam com um
segurança particular, que bloqueou a passagem com correntes.
Os vizinhos se mobilizaram, e a
regional rompeu os bloqueios.
Só no dia da festa simbólica é
que Maria Cristina Almeida Antunes, presidente da Sajape (Sociedade Amigos do Jardim Petrópolis), que reivindicava a construção do parque, soube que esse vigia fora contratado a pedido de
Gumpei Yamada, comprador dos
"direitos possessórios". Ele decidiu processá-la e pedir a reintegração de posse na Justiça -contra ela, e não contra a prefeitura.
Maria Cristina alegou que a área
era pública e que a regional de
Santo Amaro, e não ela, era responsável pela construção do parque, que foi interrompida. Mas
uma liminar favorável a Yamada
foi concedida em setembro pelo
juiz Valdecir José do Nascimento.
No despacho, embora ressalve
que a prefeitura poderá se manifestar futuramente, ele diz: "Resta
saber onde estaria o interesse da
municipalidade, já que, até agora,
ela não interveio nestes autos".
O juiz justificou ainda a decisão
por causa da "prova oral": um oficial de justiça enviado ao bairro e
que conversou somente com Lima, suposto posseiro, avaliou haver suspeitas da ocupação da área
por Maria Cristina, da Sajape.
A Procuradoria Geral do Município diz não ter sido notificada da
ação, que se dava entre particulares, e pediu vistas do processo
quatro dias após a liminar. No final de outubro, Nascimento, em
um despacho ao desembargador
Viseu Júnior, voltou a afirmar: "A
própria municipalidade parece
que por ele [terreno" não se interessa. (...) Embora a Procuradoria
tivesse solicitado vista dos autos
em 20 de setembro, até agora não
externou posicionamento".
Em 26 de dezembro, a prefeitura informou à Justiça que a área é
pública. Pediu a revogação da liminar favorável a Yamada no final de janeiro deste ano -quando a gleba já estava sob posse dele
havia mais de quatro meses.
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