São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005

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TRAGÉDIA ANUNCIADA

Disparos ocorreram depois de agente, que tentava prender líder da invasão, ser agredido em Goiânia

Policial dá 5 tiros em velório de sem-teto

SEBASTIÃO MONTALVÃO
COLABORAÇÃO PARA A AGÊNCIA FOLHA, EM GOIÂNIA

O confronto entre policiais e sem-teto em Goiânia (GO) migrou ontem para o velório das duas pessoas mortas durante a Operação Triunfo, organizada para promover a reintegração de posse de um terreno invadido em uma área valorizada da cidade.
Policiais civis à paisana tentavam prender no velório um dos líderes da invasão do Parque Oeste Industrial. Na confusão, um dos policiais foi agredido. Um outro, então, sacou sua pistola e deu cinco tiros para o alto. Mais tarde, a Polícia Civil considerou que a ação foi um "erro de estratégia".
O clima no velório era de revolta. Desde a madrugada, centenas de moradores se aglomeravam no pátio e no interior da catedral, onde foram velados os corpos do comerciário Pedro Nascimento Silva, 24, e do gesseiro Wagner da Silva Moreira, 21.
Homens, mulheres e crianças ainda se mostravam muito abalados com o resultado trágico da operação de reintegração. A viúva de Pedro Nascimento, Eronilde da Silva Nascimento, 27, disse querer esquecer as cenas do confronto. "Não gosto nem de lembrar. Foi horrível. Vi muita gente ferida e me perdi do meu marido. Só fui saber que ele estava morto no início da noite. Soube depois que os policiais o amarraram e o deixaram jogado."
Após o enterro dos dois jovens, as cerca de 450 pessoas que foram ao cemitério se deram as mãos, fizeram um enorme círculo e gritaram, em voz alta, que o sonho não havia acabado.
"O Sonho Real continua. Não vamos nos render." Sonho Real foi o nome dado pelos sem-teto ao loteamento invadido por cerca de 4.000 famílias. A área, de 868 mil metros quadrados.
Foi colocada uma faixa que pedia ajuda à ONU: "SOS ONU/Refugiados Brasil-Goiânia".

Sirenes
Ainda na madrugada, enquanto aguardavam a chegada dos corpos à catedral metropolitana, no centro de Goiânia, carros da Polícia Militar rondavam a região, com sirenes ligadas.
Um grupo de invasores também se deslocou até as imediações do Palácio das Esmeraldas, sede do governo estadual, para protestar. A PM já estava fazendo a segurança no local e não houve maiores transtornos.
Os disparos no velório ocorreram por volta das 15h, um pouco antes do cortejo fúnebre. De acordo com o delegado da Polícia Civil Carlos Teixeira, os agentes teriam se deslocado até o local para cumprir um mandado de prisão contra Paulo Sérgio Alves, um dos líderes da invasão.
Para a vendedora ambulante Joana Darc dos Santos, a ação foi uma tragédia. "Faltou respeito com os familiares dos mortos, com a comunidade e até com Deus. Se não respeitam a casa de Deus, vão respeitar o quê? Isso não é coisa de ser humano."
A advogada dos sem-teto, Marilda Ribeiro Fonseca, pediu na Justiça liminar (decisão provisória) para suspender a derrubada das casas. O governador tucano Marconi Perillo disse que o Estado e a prefeitura de Iris Resende (PMDB) vão adquirir uma nova área para assentar as famílias.


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