São Paulo, quarta-feira, 18 de abril de 2001

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GRAVIDEZ

Estudo inédito no país feito pelo médico Anthony Wong realizou testes em grávidas drogadas

Pesquisa mostra efeito das drogas em recém-nascidos

GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma em cada cinco crianças de baixo peso nascidas em dois hospitais públicos da cidade de São Paulo, entre 1.º de agosto e 5 de outubro passados, são filhas de mulheres que usaram cocaína, crack e álcool durante a gravidez.
Esses bebês já nasceram com propensão a ter problemas neurológicos, psíquicos e ainda correm o risco de ter complicações intestinais e cardíacas.
Esses resultados, que fazem parte da pesquisa inédita de doutorado do toxicologista Anthony Wong, do Hospital das Clínicas de São Paulo, dão o pontapé inicial para pesquisas nacionais que relacionam o uso de drogas entre gestantes e a correlação entre esse hábito e o baixo peso dos bebês.
Esse é o primeiro trabalho realizado na América Latina que relaciona diferentes tipos de exames toxicológicos (na urina e nos cabelos) feitos na mãe e nos filhos ao mesmo tempo.
Os bebês da Santa Casa de Misericórdia (centro) e do Hospital Regional da Pedreira (zona sul) também passaram por testes de mecônio, que são as fezes das primeiras 72 horas de vida.
A diversidade dos exames possibilitou a Wong mapear o consumo de entorpecentes pelas parturientes com muita precisão.
Foi possível saber, por exemplo, que uma das mães não usou drogas durante toda a gravidez, mas cerca de 72 horas antes do parto consumiu cocaína em quantidade suficiente para constar no seu exame de urina e no do seu bebê.
Esse nível de detalhamento só foi possível porque o exame do cabelo possibilita o rastreamento do consumo mensal de substâncias químicas.
Isso ocorre da seguinte forma: a substância tóxica ingerida pela mãe é levada por meio da corrente sanguínea ao couro cabeludo. A partir disso, atinge a raiz e a matriz (parte interna do fio) do cabelo, quando ambas ainda estão na parte interna do corpo.
Como o cabelo cresce em média um centímetro por mês, a matriz do fio que foi irrigada por sangue contaminado (quando ainda estava na parte interna do couro cabeludo) emerge contendo as substâncias tóxicas. O mesmo processo ocorre com os bebês.
Outro material biológico que contém o mapa do consumo dos bebês a partir do quarto mês de gestação é o mecônio. Já a urina detecta apenas drogas consumidas até 72 horas antes do exame.
No caso da mãe que não usou drogas durante a gravidez, mas consumiu dias antes do parto, a substância tóxica apareceu somente no exame de urina. O cabelo, que cresce em média um centímetro por mês, não acusou substâncias tóxicas.
Da pesquisa de Wong, o que mais impressionou os especialistas ouvidos pela Folha é o alto índice de bebês com substâncias toxicas no organismo.
Foram ouvidos os psiquiatras Dartiu Xavier, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e Arthur Guerra de Andrade, da USP (Universidade de São Paulo), além do pediatra Rui de Paiva, diretor do Programa de Saúde da Criança de São Paulo.
"Nenhuma doença atinge esse índice", diz Paiva. O exame do pezinho, que identifica o hipotireoidismo (causador de deficiência mental e retardos psicomotores), feito rotineiramente na rede pública, tem um índice de positividade de 1 a cada 4.000 crianças.
Para se ter uma idéia da gravidade do problema encontrado por Wong, estudo semelhante feita nos EUA mostrou que entre parturientes negras o índice de consumo de drogas chegou a 11,3%, entre hispânicas, 4,5%, e entre brancas, 4,4%.
Ou seja: entre o grupo de mulheres atendidas no bairro central da maior cidade brasileira (onde está localizada a Santa Casa, origem de todas as gestantes drogadas) esse índice é 4,4 vezes superior ao das hispânicas nos EUA.
Diversos autores reconhecem a dificuldade de estudar o efeito do uso de drogas durante a gravidez em razão das variáveis envolvidas no consumo. O uso de entorpecentes por si só pode causar a desnutrição da mãe e prejudicar o bom desenvolvimento do feto.
Tradicionalmente desnutrição materna e hipertensão arterial são as duas causas mais comuns de baixo peso em recém-nascidos.
No entanto, nenhuma das gestantes drogadas da pesquisa de Wong estava subnutrida, era adolescente ou tinha pressão arterial considerada alta, o que reforça ainda mais a influência do uso de drogas no baixo peso dos bebês.
Estudos feitos pelo Instituto Americano de Drogas de Abuso (Nida, sigla em inglês), associados a 27 relatos médicos de toxicologistas norte-americanos na década de 80, mostram que entre 2% e 3% dos bebês daquele país foram expostos a substâncias advindas do ópio no período intra-uterino.
Esse percentual sobre para 4,5% em relação à cocaína e 17% em relação à maconha.


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