|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GRAVIDEZ
Estudo inédito no país feito pelo médico Anthony Wong realizou testes em grávidas drogadas
Pesquisa mostra efeito das drogas em recém-nascidos
GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma em cada cinco crianças de
baixo peso nascidas em dois hospitais públicos da cidade de São
Paulo, entre 1.º de agosto e 5 de
outubro passados, são filhas de
mulheres que usaram cocaína,
crack e álcool durante a gravidez.
Esses bebês já nasceram com
propensão a ter problemas neurológicos, psíquicos e ainda correm o risco de ter complicações
intestinais e cardíacas.
Esses resultados, que fazem parte da pesquisa inédita de doutorado do toxicologista Anthony
Wong, do Hospital das Clínicas
de São Paulo, dão o pontapé inicial para pesquisas nacionais que
relacionam o uso de drogas entre
gestantes e a correlação entre esse
hábito e o baixo peso dos bebês.
Esse é o primeiro trabalho realizado na América Latina que relaciona diferentes tipos de exames
toxicológicos (na urina e nos cabelos) feitos na mãe e nos filhos ao
mesmo tempo.
Os bebês da Santa Casa de Misericórdia (centro) e do Hospital
Regional da Pedreira (zona sul)
também passaram por testes de
mecônio, que são as fezes das primeiras 72 horas de vida.
A diversidade dos exames possibilitou a Wong mapear o consumo de entorpecentes pelas parturientes com muita precisão.
Foi possível saber, por exemplo,
que uma das mães não usou drogas durante toda a gravidez, mas
cerca de 72 horas antes do parto
consumiu cocaína em quantidade
suficiente para constar no seu
exame de urina e no do seu bebê.
Esse nível de detalhamento só
foi possível porque o exame do
cabelo possibilita o rastreamento
do consumo mensal de substâncias químicas.
Isso ocorre da seguinte forma: a
substância tóxica ingerida pela
mãe é levada por meio da corrente sanguínea ao couro cabeludo. A
partir disso, atinge a raiz e a matriz (parte interna do fio) do cabelo, quando ambas ainda estão na
parte interna do corpo.
Como o cabelo cresce em média
um centímetro por mês, a matriz
do fio que foi irrigada por sangue
contaminado (quando ainda estava na parte interna do couro cabeludo) emerge contendo as
substâncias tóxicas. O mesmo
processo ocorre com os bebês.
Outro material biológico que
contém o mapa do consumo dos
bebês a partir do quarto mês de
gestação é o mecônio. Já a urina
detecta apenas drogas consumidas até 72 horas antes do exame.
No caso da mãe que não usou
drogas durante a gravidez, mas
consumiu dias antes do parto, a
substância tóxica apareceu somente no exame de urina. O cabelo, que cresce em média um centímetro por mês, não acusou substâncias tóxicas.
Da pesquisa de Wong, o que
mais impressionou os especialistas ouvidos pela Folha é o alto índice de bebês com substâncias toxicas no organismo.
Foram ouvidos os psiquiatras
Dartiu Xavier, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e
Arthur Guerra de Andrade, da
USP (Universidade de São Paulo),
além do pediatra Rui de Paiva, diretor do Programa de Saúde da
Criança de São Paulo.
"Nenhuma doença atinge esse
índice", diz Paiva. O exame do pezinho, que identifica o hipotireoidismo (causador de deficiência
mental e retardos psicomotores),
feito rotineiramente na rede pública, tem um índice de positividade de 1 a cada 4.000 crianças.
Para se ter uma idéia da gravidade do problema encontrado
por Wong, estudo semelhante feita nos EUA mostrou que entre
parturientes negras o índice de
consumo de drogas chegou a
11,3%, entre hispânicas, 4,5%, e
entre brancas, 4,4%.
Ou seja: entre o grupo de mulheres atendidas no bairro central
da maior cidade brasileira (onde
está localizada a Santa Casa, origem de todas as gestantes drogadas) esse índice é 4,4 vezes superior ao das hispânicas nos EUA.
Diversos autores reconhecem a
dificuldade de estudar o efeito do
uso de drogas durante a gravidez
em razão das variáveis envolvidas
no consumo. O uso de entorpecentes por si só pode causar a desnutrição da mãe e prejudicar o
bom desenvolvimento do feto.
Tradicionalmente desnutrição
materna e hipertensão arterial são
as duas causas mais comuns de
baixo peso em recém-nascidos.
No entanto, nenhuma das gestantes drogadas da pesquisa de
Wong estava subnutrida, era adolescente ou tinha pressão arterial
considerada alta, o que reforça
ainda mais a influência do uso de
drogas no baixo peso dos bebês.
Estudos feitos pelo Instituto
Americano de Drogas de Abuso
(Nida, sigla em inglês), associados
a 27 relatos médicos de toxicologistas norte-americanos na década de 80, mostram que entre 2% e
3% dos bebês daquele país foram
expostos a substâncias advindas
do ópio no período intra-uterino.
Esse percentual sobre para 4,5%
em relação à cocaína e 17% em relação à maconha.
Texto Anterior: Saúde: Hospital universitário é mais bem avaliado Próximo Texto: Saiba como foi feito o trabalho com gestantes Índice
|