São Paulo, segunda-feira, 18 de abril de 2005

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PERIGO QUÍMICO

O Rivotril, remédio de tarja preta indicado para síndrome do pânico, é usado de brincadeira, alertam psiquiatras

Na balada, calmante vira antídoto de ecstasy

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

"Neste final de semana de Skol Beats [o maior evento de música eletrônica do país, que terminou ontem em São Paulo], muitas pessoas vão tomar Rivotril." A previsão foi feita na semana passada pelo psiquiatra Alexandre Saadeh, do Hospital das Clínicas.
Ele se refere a um calmante tarja preta, da família dos benzodiazepínicos, que tem sérios efeitos colaterais e causa dependência (leia texto nesta página), mas virou moda entre os jovens de classe média alta de São Paulo. O remédio é usado como droga recreativa e como "paliativo" para os efeitos colaterais do ecstasy.
"Essa é uma droga de turmas específicas, de jovens que têm dinheiro para pagar um psiquiatra, gostam de música eletrônica, têm 20 e poucos anos e estudam em determinadas faculdades", diz Saadeh. ""São pessoas que tomam o remédio por brincadeira."
O Rivotril, para preocupação de Saadeh, virou pop. Existem 14 comunidades sobre o remédio no Orkut. Uma delas é a ""Rivotril rocks". Já a ""Eu tomo Rivotril" afirma: ""O remédio que cura TODAS as doenças" e tem 296 participantes. A maior delas, ""Rivotril", foi criada há um ano e tem 811 cadastrados.
Nas comunidades, usuários trocam informações sobre a droga, algumas sérias, como problemas de dependência, e outras preocupantes, como maneiras de conseguir comprar o remédio sem receita médica. ""Vá a um posto de saúde", sugere um. ""Pede para um amigo médico ou dentista", diz outra pessoa.
M.A., 23, estudante de comunicação, foi o criador da comunidade. ""Larguei depois que vi que tinha ficado muito barra pesada. Tinha um cara que entrava lá para vender remédios", diz.
O estudante parou de tomar Rivotril depois de passar por crises de abstinência (leia depoimento nesta página) e conta que usava a droga ""para se acalmar e ser aceito pelos amigos".
Segundo ele, em determinados círculos ""pega bem ser usuário do calmante". ""As pessoas hoje freqüentam psiquiatras, tomam drogas como o Rivotril e vêem um glamour nisso. Parece que, se a pessoa toma um medicamento, isso significa que ela é mais sensível, especial", diz Saadeh.
""Todos os meus amigos tomam Rivotril", diz D., 27, designer. Ela começou a tomar o calmante há um ano, depois de usar drogas como ecstasy e cocaína. ""Eu conseguia na farmácia do pai de uma amiga minha. Tomava para diminuir a depressão que vem depois das drogas." Ela também já usou Rivotril em gotas misturado com bebida alcoólica. "Foi um horror. Eu ficava louca, tremendo, tendo ataques de loucura", conta.
Segundo o psiquiatra Arthur Guerra, do Grea (Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas), do Hospital das Clínicas de SP, tomar o remédio com álcool é dar um tiro no escuro. ""Você realmente não sabe o que pode acontecer com você", alerta.
De acordo com M.A., o Rivotril virou a droga dos ""chill outs" (as festas pós-baladas onde as pessoas relaxam depois de terem ingerido drogas como o ecstasy). ""É a droga perfeita para relaxar pós-ecstasy, e todo mundo toma. Já vi gente deixar de comprar cocaína porque estava sem o calmante para tomar depois", diz.
D.C, cineasta, 25 anos e usuário ocasional de ecstasy, também faz esse uso do Rivotril.
"Uma vez dei um para uma amiga que estava com "bad trip" de bala (apelido do ecstasy) numa festa e ela adorou. Comecei a tomar porque meus amigos me deram. Gostei. Hoje uso socialmente. É normal. Chego a uma festa e vejo o que tem, se é ecstasy, ácido ou Rivotril. Quando tomo, não bebo. Acho perigoso."
D.C tem razão. ""As pessoas ficam numa espiral de drogas. Não conseguem se sentir mal. Na hora que uma coisa pára de fazer efeito, tomam outra. Depois do ecstasy, vem o Rivotril, se o Rivotril dá sono, vem o energético. São pessoas que tomam tantas coisas, que fazem uma salada tão grande, que depois não se sabe o que de fato fez mal", alerta Saadeh.
"O que acontece hoje em relação ao Rivotril é um pouco de moda e da mania de medicalizar temas que não são médicos. As pessoas não querem mais lidar com a infelicidade. Isso é um problema de saúde pública. Não existe remédio mágico, como as pessoas imaginam", diz Guerra.
"Cada época tem um calmante da moda. Antes era o Valium, na década de 90, o Lexotan, e agora é o Rivotril", avalia Saadeh.

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