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PERIGO QUÍMICO
O Rivotril, remédio de tarja preta indicado para síndrome do pânico, é usado de brincadeira, alertam psiquiatras
Na balada, calmante vira antídoto de ecstasy
NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
"Neste final de semana de Skol
Beats [o maior evento de música
eletrônica do país, que terminou
ontem em São Paulo], muitas pessoas vão tomar Rivotril." A previsão foi feita na semana passada
pelo psiquiatra Alexandre Saadeh, do Hospital das Clínicas.
Ele se refere a um calmante tarja
preta, da família dos benzodiazepínicos, que tem sérios efeitos colaterais e causa dependência (leia
texto nesta página), mas virou
moda entre os jovens de classe
média alta de São Paulo. O remédio é usado como droga recreativa e como "paliativo" para os efeitos colaterais do ecstasy.
"Essa é uma droga de turmas específicas, de jovens que têm dinheiro para pagar um psiquiatra,
gostam de música eletrônica, têm
20 e poucos anos e estudam em
determinadas faculdades", diz
Saadeh. ""São pessoas que tomam
o remédio por brincadeira."
O Rivotril, para preocupação de
Saadeh, virou pop. Existem 14 comunidades sobre o remédio no
Orkut. Uma delas é a ""Rivotril
rocks". Já a ""Eu tomo Rivotril"
afirma: ""O remédio que cura TODAS as doenças" e tem 296 participantes. A maior delas, ""Rivotril", foi criada há um ano e tem
811 cadastrados.
Nas comunidades, usuários trocam informações sobre a droga,
algumas sérias, como problemas
de dependência, e outras preocupantes, como maneiras de conseguir comprar o remédio sem receita médica. ""Vá a um posto de
saúde", sugere um. ""Pede para
um amigo médico ou dentista",
diz outra pessoa.
M.A., 23, estudante de comunicação, foi o criador da comunidade. ""Larguei depois que vi que tinha ficado muito barra pesada.
Tinha um cara que entrava lá para
vender remédios", diz.
O estudante parou de tomar Rivotril depois de passar por crises
de abstinência (leia depoimento
nesta página) e conta que usava a
droga ""para se acalmar e ser aceito pelos amigos".
Segundo ele, em determinados
círculos ""pega bem ser usuário do
calmante". ""As pessoas hoje freqüentam psiquiatras, tomam
drogas como o Rivotril e vêem
um glamour nisso. Parece que, se
a pessoa toma um medicamento,
isso significa que ela é mais sensível, especial", diz Saadeh.
""Todos os meus amigos tomam
Rivotril", diz D., 27, designer. Ela
começou a tomar o calmante há
um ano, depois de usar drogas como ecstasy e cocaína. ""Eu conseguia na farmácia do pai de uma
amiga minha. Tomava para diminuir a depressão que vem depois
das drogas." Ela também já usou
Rivotril em gotas misturado com
bebida alcoólica. "Foi um horror.
Eu ficava louca, tremendo, tendo
ataques de loucura", conta.
Segundo o psiquiatra Arthur
Guerra, do Grea (Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e
Drogas), do Hospital das Clínicas
de SP, tomar o remédio com álcool é dar um tiro no escuro. ""Você realmente não sabe o que pode
acontecer com você", alerta.
De acordo com M.A., o Rivotril
virou a droga dos ""chill outs" (as
festas pós-baladas onde as pessoas relaxam depois de terem ingerido drogas como o ecstasy). ""É
a droga perfeita para relaxar pós-ecstasy, e todo mundo toma. Já vi
gente deixar de comprar cocaína
porque estava sem o calmante para tomar depois", diz.
D.C, cineasta, 25 anos e usuário
ocasional de ecstasy, também faz
esse uso do Rivotril.
"Uma vez dei um para uma
amiga que estava com "bad trip"
de bala (apelido do ecstasy) numa
festa e ela adorou. Comecei a tomar porque meus amigos me deram. Gostei. Hoje uso socialmente. É normal. Chego a uma festa e
vejo o que tem, se é ecstasy, ácido
ou Rivotril. Quando tomo, não
bebo. Acho perigoso."
D.C tem razão. ""As pessoas ficam numa espiral de drogas. Não
conseguem se sentir mal. Na hora
que uma coisa pára de fazer efeito,
tomam outra. Depois do ecstasy,
vem o Rivotril, se o Rivotril dá sono, vem o energético. São pessoas
que tomam tantas coisas, que fazem uma salada tão grande, que
depois não se sabe o que de fato
fez mal", alerta Saadeh.
"O que acontece hoje em relação ao Rivotril é um pouco de
moda e da mania de medicalizar
temas que não são médicos. As
pessoas não querem mais lidar
com a infelicidade. Isso é um problema de saúde pública. Não existe remédio mágico, como as pessoas imaginam", diz Guerra.
"Cada época tem um calmante
da moda. Antes era o Valium, na
década de 90, o Lexotan, e agora é
o Rivotril", avalia Saadeh.
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