São Paulo, sábado, 18 de abril de 1998

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SECA
Flagelados da seca invadiram galpões atrás de comida que era da merenda escolar e do Comunidade Solidária
Exército vigia comida contra saqueadores

FÁBIO GUIBU
da Agência Folha, em Recife

Cerca de 40 homens do Exército vigiam desde ontem as 382,5 toneladas de alimentos que restaram do saque a um depósito do programa Comunidade Solidária, ocorrido anteontem em Afogados da Ingazeira, sertão de Pernambuco (veja quadro).
A presença dos militares foi solicitada pela superintendência regional da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), que alega haver risco de novos ataques ao galpão por flagelados da seca.
Segundo o superintendente do órgão, Manoel Araujo, os soldados permanecerão no local até que a situação na cidade esteja sob controle. "Não poderíamos simplesmente assistir ao saque do patrimônio público", justificou.
O depósito foi invadido às 5h de anteontem por cerca de 800 homens, mulheres e crianças, a maioria trabalhadores rurais, disse o delegado de Polícia Civil da cidade, Genivaldo Nascimento de Melo.
Os saqueadores arrombaram um portão, derrubaram parte do muro que cerca o prédio, romperam uma cerca de arame e levaram 17,5 toneladas de alimentos.
A PM interveio para evitar mais saques. Ninguém ficou ferido.
Segundo o delegado, foram furtados do local 600 fardos de macarrão, 70 de farinha de mandioca, 160 de farinha de milho, além de 200 sacos de arroz e 50 de feijão.
Às 9h, outro depósito foi invadido no centro da cidade e três toneladas de merenda escolar, destinadas aos 2.700 alunos da rede municipal, foram levadas.
Logo depois, os saqueadores retornaram ao armazém da Conab, onde permaneceram até as 19h, sob vigilância da PM.
Os supermercados e mercearias fecharam. A prefeitura decretou estado de emergência no município.
Trégua
A saída dos trabalhadores rurais das proximidades do depósito foi negociada pela prefeitura. A administração se comprometeu a doar cestas básicas às famílias mais necessitadas em troca de uma trégua de 48 horas.
Alegando não dispor de recursos para comprar os mantimentos, a prefeita Maria Giselda Simões Inácio (PPS) deflagrou uma campanha de arrecadação em toda a cidade. Carros de som foram mobilizados e postos de recolhimento, ativados.
O clima de tensão, no entanto, persiste, afirmou a prefeita.
Parte do comércio não funcionou ontem e a feira promovida todos os sábados nas ruas centrais da cidade corre o risco de não ser realizada hoje.
Em nota oficial, a Fetape (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco) declarou que o saque é a "única alternativa de sobrevivência que se apresenta" para os lavradores.
Segundo a nota, 95% das pessoas que participaram das ações são pequenos agricultores que, em razão da seca, "abandonaram suas propriedades e migraram para a periferia em busca de alternativas de sobrevivência".
A Fetape alertou que, caso o quadro de "miséria e fome generalizadas" persista, os saques ocorridos em Afogados da Ingazeira poderão ser "os primeiros de uma série" no interior do Estado.



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