São Paulo, quinta, 18 de junho de 1998

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INCULTA & BELA
O futebol, Marrocos e o palíndromo

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha


Mal o árbitro encerra o primeiro tempo de Brasil x Marrocos, toca o telefone. Era o querido amigo Valdo Cruz, diretor da sucursal da Folha em Brasília.
Mineiríssimo- por isso mesmo culto, afável e bem-humorado -, Valdo me pergunta: "Em que canal você está vendo o jogo?". Respondo, e ele volta a perguntar: "Percebeu que o locutor disse várias vezes que a bola "picou' dentro da área"?
Pois é, caro Valdo. Será que já criaram o soro "antibolídico"? Apesar de chamarmos de cobra quem joga bem futebol, a bola não pica. A bola quica, do verbo quicar.
Aproveitando o assunto, o Brasil ganhou de Marrocos ou do Marrocos?
Você deve ter notado que na televisão, no rádio e nos jornais é um tal de "em Marrocos", "no Marrocos", "de Marrocos", "do Marrocos" etc. Acho que se ouve muito mais "no" e "do" do que "em" e "de".
Vamos lá. Em português, nomes de países quase sempre são empregados com artigo: o Brasil, a Itália, a França, o Uruguai, o Chile, a Inglaterra, a Espanha, o Peru, o Paquistão, a Índia, a Suíça, o Paraguai, a Noruega, o México etc.
Alguns, porém, são usados sem artigo: Gana, Cuba, Portugal, Andorra, Luxemburgo, Angola, Moçambique. Ninguém diz que esteve no Moçambique ou na Cuba.
Brasil e Portugal nem sempre tratam do assunto do mesmo jeito. Lá, Holanda, Espanha e Itália, por exemplo, não recebem artigo. Os portugueses dizem "feito em Itália", "os vinhos de Espanha", "as cidades de Holanda".
Nosso grande Francisco Buarque de Holanda é de Holanda e não da Holanda exatamente por causa disso.
Marrocos é uma encrenca. Os dicionários (Aurélio, Aulete, Michaelis, Bueno) dizem que não há artigo. As enciclopédias Barsa e Mirador dão "do/no Marrocos".
A parada pode ser resolvida por um palíndromo. Sabe o que é isso? É frase que se lê da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita, com o mesmo significado.
"Roma é amor" é um belo exemplo. O que nos interessa é "Socorram-me! Subi no ônibus em Marrocos".
Leu da direita para a esquerda? É mesmo um palíndromo. Agora, experimente trocar "em" por "no". O palíndromo morre.
E então? Com qual você fica: no Marrocos ou em Marrocos? Se valerem as orientações do grande linguista Mário Barreto ("É coisa que toca ao uso"), parece o uso imporá o artigo. Mas os dicionários não nos autorizam a usá-lo. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras


E-mail:inculta@uol.com.br



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