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PASQUALE CIPRO NETO
"Do muito ou pouco que houve entre você e eu"
Na última coluna, trocamos
duas palavras sobre "eu" e
"mim". O mote foi uma pergunta
feita num programa de televisão
acerca de "para mim fazer" e "para eu fazer". Vimos que a opção
por "eu" ou "mim" não depende
da ordem dos termos, da posição
do pronome, da palavra que vem
a seguir etc. A opção depende basicamente da função do pronome.
Essa discussão sobre "eu" e
"mim" aparece com frequência
nas dúvidas dos leitores. O texto
da semana passada fez muitos
deles perguntarem sobre outro
caso: "Está tudo acabado entre eu
e ela" ou "entre mim e ela"?
Ai, ai, ai! A questão é mais delicada do que talvez pareça. Pelos
cânones da língua padrão, o pronome adequado é "mim", já que
as preposições ("entre" é uma delas) não costumam reger o pronome reto da primeira do singular;
regem o oblíquo tônico ("mim").
Tradução: assim como se diz
"Ela vive bem sem mim" (e não
"sem eu"; "sem" é preposição),
"Ela não pensa em mim" (e não
"em eu"; "em" é preposição) "Ela
faz tudo por mim" ("por" é preposição), "Ela gosta de mim" ("de" é
preposição), "Ela se refere a mim"
("a" é preposição), dever-se-ia dizer "Está tudo acabado entre ela e
mim" (ou "entre mim e ela").
Nos clássicos e nos modernos,
não faltam exemplos desse emprego: "Foi um duelo entre mim e
a velhice" (M. de Assis, citado por
Celso Cunha e Lindley Cintra);
"Por que vens, pois, pedir-me
adorações quando entre mim e ti
está a cruz ensanguentada do calvário?" (A. Herculano, também
citado por Cunha e Cintra); "Entre mim e os mortos há o mar/ e os
telegramas" (C. Drummond de
Andrade). Apesar de seu enfado
com a modernice, o moderno, no
caso, é Drummond ("E como ficou chato ser moderno./ Agora serei eterno."). No "Aurélio", encontra-se este exemplo: "Entre
mim e Paulo vai tudo bem".
Na linguagem familiar, no entanto, não se verifica o cumprimento dessa prescrição gramatical. Em "A Nova Gramática do
Português Contemporâneo", Celso Cunha e Lindley Cintra fazem
esta observação: "A tradição gramatical aconselha o emprego das
formas oblíquas tônicas depois da
preposição entre. Na linguagem
coloquial predomina, porém, a
construção com as formas retas,
construção que se vai insinuando
na linguagem literária". Em seguida, vêm estes exemplos: "Entre
eu e tu,/ Tão profundo é o contrato/ Que não pode haver disputa"
(J. Régio); "Entre eu e minha mãe
existe o mar" (Ribeiro Couto).
Em sua "Moderna Gramática
Portuguesa", Evanildo Bechara
diz que "a língua exemplar insiste
na lição do rigor gramatical, recomendando, nestes casos, o uso dos
pronomes oblíquos tônicos". Em
seguida, o eminente professor faz
esta ressalva: "Um exemplo como
"Entre José e mim" dificilmente
sairia hoje da pena de um escritor
moderno". A afirmação de Bechara é comprovada por estes versos da antológica "Muito Romântico", de Caetano Veloso: "Acho
que nada restou pra guardar ou
lembrar/ do muito ou pouco que
houve entre você e eu".
Agora é com você, leitor. Os cânones da língua padrão (ou
"exemplar", como diz o querido
Bechara), recomendam "entre
mim e ela" (ou "entre ela e
mim"). O uso efetivo, no entanto,
aponta para outro lado. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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