São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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ADMINISTRAÇÃO

Para auditores do tribunal de contas, total fictício de impostos a receber fez patrimônio da Prefeitura de SP superar débito

Técnicos apontam maquiagem em balanço

SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

A Prefeitura de São Paulo inflou em pelo menos R$ 10,495 milhões o montante que tem a receber por multas e impostos atrasados, aumentando artificialmente seu patrimônio. Isso fez os balanços anuais da administração petista indicarem que a prefeitura tem mais bens do que dívidas e obrigações. A realidade, no entanto, é exatamente oposta a essa.
Pelos balanços oficiais se poderia afirmar que, se vendesse tudo o que tem -imóveis, ações, equipamentos etc.- e juntasse toda a sua receita, a prefeitura conseguiria pagar suas dívidas com folga, ficando em caixa R$ 7,67 bilhões em 31 de dezembro de 2003.
Essa sobra, porém, é garantida exatamente pelo aumento artificial da dívida ativa -montante que, apesar do nome, define o citado conjunto de créditos a receber pelos tributos atrasados.
Apesar de o Tribunal de Contas do Município (TCM) ter aprovado as contas da prefeita Marta Suplicy (PT) referentes aos anos de 2002 e 2003, a indicação do inchaço da dívida ativa da cidade consta dos relatórios produzidos pelos auditores do tribunal.
Os técnicos apontam que a prefeitura maquiou o balanço porque corrigiu a dívida por um índice não especificado e superior ao previsto em lei -que é o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) mais 1% de juros ao mês.
"As conseqüências desse lançamento considerado irregular foram aumento irreal do ativo permanente; ativo real líquido fictício e superávit patrimonial fictício [falsa indicação de que os bens são maiores do que as dívidas]", escrevem os auditores.
"Tal fato vem afetando significativamente o balanço patrimonial da prefeitura, fazendo registrar um ativo real líquido, quando, em verdade, deveria figurar um passivo real descoberto de bilhões de reais", completam.
Na semana passada, a Folha falou com 20 especialistas em finanças públicas. Todos disseram que, pelos dados apresentados pela reportagem, há indícios de irregularidade nos balanços da prefeitura.

Na ponta do lápis
A Folha refez as atualizações monetárias incidentes sobre a dívida ativa desde 31 de dezembro de 2001, incorporando às contas os novos valores devidos e delas excluindo o que foi pago ou cancelado, segundo dados oficiais.
No cenário mais favorável à gestão do PT -que elevou ao máximo possível o valor final da dívida-, chegou-se a R$ 13,933 bilhões em 31 de dezembro de 2003. No balanço da prefeitura, o dado é de R$ 24,428 bilhões nessa data.
Os cálculos da Folha foram corroborados por duas empresas de auditoria e por um contador. "Aplicado o índice legal surge uma grande divergência em relação ao dado oficial. Se não há erro, pelo menos falta clareza na informação divulgada", afirma o contador Gildo Freire, auditor de profissão e membro do conselho fiscal do Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo.
Quando os dados da dívida ativa são confrontados com o conjunto de débitos e obrigações da prefeitura, o aumento artificial de seu valor leva a uma inversão total do saldo patrimonial da cidade -relação entre todos os bens e todas as pendências do governo.
Pelos dados oficiais, São Paulo teve resultados positivos nos três anos da gestão petista -R$ 396 milhões, R$ 555 milhões e R$ 7,671 bilhões de sobra, respectivamente. Pelos cálculos da Folha, porém, o inchaço da dívida ativa escondeu sucessivos resultados negativos. Em 2002, o déficit patrimonial seria R$ 2,969 bilhões. Em 2003, R$ 2,824 bilhões.
Ou seja: mesmo que vendesse tudo o que tem o governo seguiria devendo um quarto do Orçamento da cidade. Se fosse uma empresa, a prefeitura estaria falida.

Silêncio total
Um resultado negativo é politicamente desconfortável, avaliam os técnicos. Indica aos credores que o governo em questão não é confiável, pode impedir a concessão de empréstimos e sugere que, no âmbito do município, todos os contratos correm um certo risco.
A Folha procurou obter informações da prefeitura por três dias. O governo teve acesso a todos os dados da reportagem e foi convidado a esclarecê-los, mas preferiu só informar que "a dívida ativa tem de ser atualizada pelo IPCA". A administração se negou a mostrar seus cálculos, revisar os da Folha ou comentar os indícios de irregularidade nos balanços.
No TCM, apesar do alerta dos auditores, as contas foram aprovadas. Na votação da semana passada, a despeito da reincidência do artifício sobre a dívida -e da falta de explicações-, os conselheiros consideraram "sanáveis" as falhas apontadas.
O veredicto vai na contramão do mercado. "O saldo patrimonial interessa a quem vai financiar", diz Marcos Castro, técnico do Cepam (Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal). "Com um resultado negativo, seria tecnicamente insustentável a autorização do Senado para o empréstimo do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento]." Em maio, por 39 votos a 8, os senadores liberaram a operação de US$ 100 milhões para a recuperação do centro paulistano.
Castro foi um dos sete entrevistados que aceitaram dar declarações oficiais à reportagem. Outros 13, citando motivos diversos -da gravidade do fato à ligação com entidades ou partidos-, preferiram o anonimato, mas confirmaram a suspeita de irregularidade.
Para o economista José Roberto Afonso, ex-superintendente de Assuntos Fiscais do BNDES e um dos principais analistas do PSDB, a constatação é "curiosa". "Em 2003 houve um movimento de prefeitos pela dedução da dívida ativa do valor da dívida fundada para efeito de limite de endividamento [que entra em vigor em maio de 2005]. Até agora o governo não aceitou o pedido." Afonso, assessor no Congresso, também foi procurado pelos prefeitos.


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