São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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NOVOS INQUILINOS

Cerca de 30 pedreiros, ajudantes e chefes de obras trabalham na construção do futuro Parque da Juventude

Ruínas do Carandiru viram moradia de operários

DO "AGORA"

São 6h. Valdir Bandeira dos Santos, 38, se levanta do colchão fino e contempla os raios do sol nascente por entre as grades de sua cela. Toma banho, se alimenta com pão e café e segue para o pátio em frente ao pavilhão 5. O homem, porém, não usa calças bege, não é criminoso e muito menos cumpre pena.
As mãos calejadas acusam: trata-se de um trabalhador, mais especificamente, de um encarregado de obras. Há 15 dias, sua nova morada é a cela 5233-E do extinto pavilhão 5 da Casa de Detenção. A cela onde Santos vive abrigava, há um ano e meio, presos jurados de morte ou com enfermidades graves, no prédio que ganhou o apelido de "amarelão".
Santos não é o único a dormir e acordar em meio aos fantasmas do complexo Carandiru (zona norte de São Paulo), presídio conhecido por suas rebeliões, por seus bandidos famosos e por suas tragédias, como a morte de 111 detentos, pela PM, em 1992.

Parque da Juventude
Dividem dez celas e os corredores do pavilhão 5 cerca de 30 pedreiros, ajudantes e encarregados de obra que trabalham para transformar o lendário complexo em um parque de 300 mil m2, que abrigará um anfiteatro e centros de formação profissional e tecnologia: o Parque da Juventude.
Acostumados, eles já não temem "assombrações" e acham que a moradia improvisada "não é tão ruim assim". Após a desativação de um alojamento que ficava dentro da área do parque, os operários chegaram a um consenso e decidiram que poderiam morar na antiga carceragem. "Ninguém acha uma maravilha. No primeiro dia não foi fácil. Nunca passei uma noite preso. Fiquei imaginando quantas pessoas já morreram e quantos criminosos perigosos já dormiram nessa cela. Mas é melhor ficar aqui do que ir todos os dias para a minha casa em Cotia", disse Santos, que passa os fins de semana com a família -como se estivesse mesmo num regime semi-aberto.

"Bois" e "bandecos"
Mas nem tudo é cadeia. Os antigos "bois" (buracos no chão ligados à rede de esgoto que serviam de sanitários) deram lugar a um banheiro químico, no pátio, que ainda mantém os escombros que restaram dos três pavilhões implodidos no dia 8 de dezembro de 2002. E é essa a principal vista que os novos moradores têm de suas "casas". Numa cena que lembra os detentos dos tempos das carceragens lotadas, ávidos por liberdade, os trabalhadores gastam o pouco tempo livre olhando o vaivém de carros e pessoas nas ruas de Santana (zona norte).
Quando a noite cai, é possível ver as luzes acesas nas celas do pavilhão e as silhuetas dos novos inquilinos. Outro motivo que mantém o grupo lá é a comida. Em vez do marmitão, muitas vezes azedo jogado na porta da cela, uma caminhada até a cantina da empresa responsável pela obra garante um "bandeco" melhor: arroz, feijão, carne de porco e frutas.
(GIBA BERGAMIM JR.)


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