São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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"Não gosto de compromissos"

FREE-LANCE PARA A FOLHA

O pernambucano Severino Gomes, 53, se informa sobre o mundo assistindo televisão nos botecos. "Não gosto de horários nem de compromisso. As pessoas costumam sair de madrugada para trabalhar e passam a vida se lascando para no final não ter dinheiro nem para pagar seus remédios. Prefiro não fazer nada."
Morador da caverna da Urca, ele veio para o Rio trabalhar em hotéis como salva-vidas de piscinas, foi porteiro em um prédio residencial do Exército e acabou migrando para a gruta quando ficou desempregado.
Na pequena moradia, onde está há 25 anos, até hoje existe apenas uma cama de casal e uma escrivaninha, ao lado de uma estante com livros de Allan Kardec, fundador do espiritismo.
A gruta fica em um trecho de mata atlântica ao lado da chamada pista Cláudio Coutinho, que contorna parte do morro da Urca. O terreno é militar, mas Gomes garante sua permanência ajudando o Exército a preservar a floresta e prestando socorro a turistas.
O dia-a-dia na caverna é inóspito. O banho é gelado, com água que vem da mina, e o banheiro, no meio do mato. "Eu cavo um buraco e enterro", explica Gomes. Dentro da casa de pedra é preciso ter atenção em dobro para as visitas indesejadas que chegam da mata. "Já fui mordido por uma jararaca. Mas eu não mato os bichos, respeito o espaço deles", diz. Como é uma área de preservação ambiental, o pernambucano quase não acende fogueiras e, à noite, precisa acostumar os olhos à luz da lua e das estrelas.
Mesmo no meio do mato, Gomes está distante de ser uma pessoa solitária. "Tenho amigos da Inglaterra, França, El Salvador, Argentina, Uruguai, China e Estados Unidos. Está sempre passando gente nestas trilhas daqui", diz.
Para vigiar seu lar, Gomes tem três cães. Mesmo assim, há alguns meses lhe roubaram roupas, panelas, ferramentas e um rádio de pilhas. "Não posso deixar nada de valor aqui que as pessoas roubam." Apesar das adversidades, o homem da caverna, que ainda tem família em Pernambuco, diz que não quer sair nunca dali. "Só se o Exército me expulsar."
Gomes não tem nenhuma despesa com a caverna e todos os dias os militares lhe dão almoço e jantar. Com a pescaria, ganha algum dinheiro, gasto principalmente com bebida e cigarros, suas fraquezas de cidadão urbano.


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