São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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GILBERTO DIMENSTEIN

Estão julgando corretamente Marta Suplicy?

Está em julgamento menos o governo Marta Suplicy do que a mulher Marta Suplicy -essa atitude é um sinal de falta de maturidade política.
Não quero dizer que, se o julgamento se aprofundasse mais no desempenho administrativo e menos nos detalhes de personalidade, a taxa de rejeição da prefeita, hoje comparável à de Paulo Maluf, estaria necessariamente melhor. Quero dizer apenas que a antipatia atrelada à imagem dela, como mostram as pesquisas feitas pelo Datafolha, não é um item tão relevante para avaliar uma gestão. Simplificando: não considero recomendável, por exemplo, escolher um médico usando como principal critério seus sorrisos e simpatia em vez da sua capacidade de curar.
Faz parte do aprendizado da cidadania julgar menos pelo show mercadológico e mais pelos indicadores concretos para avaliar a mudança de condições de vida da população.

 

Fragilizada eleitoralmente, Marta, para vencer, depende menos da exposição de dados administrativos que do polimento da imagem pessoal. Terá de passar por um polimento assim como as fotos que espalhou pelas ruas, nas quais, graças aos requintes tecnológicos, parece ter bem menos idade. Em poucas palavras, ela está nas mãos de Duda Mendonça.
Pelas mãos do marqueteiro, a presumida arrogância da candidata será apresentada ao eleitor como uma leitura errada e preconceituosa da "ousadia" e da "coragem" de uma mulher decidida a "defender os mais pobres".
A prefeita, de fato, encarou brigas pesadas, mas muito de sua imagem se deve a atitudes que lembram as de uma adolescente mimada, irritadiça, prepotente, sem capacidade de lidar com a frustração. Na linha das ilusões mercadológicas, vale quase tudo nesse jogo de imagens -até mesmo, por exemplo, acionar Eduardo Suplicy como cabo eleitoral da ex-mulher para tentar desfazer a sombra da traição e estimulá-lo a apresentar publicamente sua nova namorada.
Considero, aliás, que, nesse caso, ela é mesmo vítima de preconceito por ter assumido, publicamente, uma paixão e ter recusado um casamento de aparências.
 

Pouco disso, porém, é relevante para a vida pública. Mas a política é, para a imensa maioria das pessoas, um espetáculo em que o bem e o mal travam uma luta. O que importa mesmo são questões aborrecidas. Aqui vão apenas dez exemplos de temas relevantes que ajudariam avaliar a prefeita:
 

1) A cidade está quebrada. Até que ponto piorou o que já era ruim?
2) As obras e programas em realização deixarão para o sucessor um déficit que vai acabar no bolso do contribuinte?
3) Algumas obras realizadas em pontos estratégicos servem mais aos carros ou ao transporte público? Vão mesmo ajudar a desafogar o trânsito?
4) Os programas de distribuição de renda estão promovendo, de fato, a emancipação dos mais pobres ou apenas criando uma esmola pública?
5) Qual é o verdadeiro custo do bilhete único do ônibus? Ele é sustentável?
6) Com os mesmos recursos destinados aos CEUs seria possível melhorar a rede regular de ensino, atingindo mais estudantes? Já existem sinais de que os alunos aprendem mais e melhor nos CEUs? Os professores foram devidamente reciclados?
7) Por que os serviços de saúde continuam tão ruins?
8) Os cargos criados na administração pública foram necessários? Ou apenas se criaram vagas para apaniguados?
9) A bilionária licitação do lixo atende mais aos empreiteiros do que à população?
10) Aumentou a carga de impostos dos paulistanos. Foi feito um esforço para reduzir e racionalizar gastos?
 

São essas e outras as questões, todas polêmicas, capazes de formar uma visão sobre o desempenho da prefeita para que ela seja julgada com base em números.
Reduz-se, assim, na avaliação, o peso de seus chiliques e dos sinais de "peruíce" e futilidade. Saem as considerações sobre as vantagens e desvantagens da troca de Suplicy por Favre. Analisa-se, então, o que vale a pena analisar: se a cidade poderia estar melhor do que está -e se alguém supostamente melhor deve tomar seu lugar ou se ela merece uma segunda chance.
O resto é, reconheço, mais emocionante. Mas é show.
 

PS - Além do baixo nível educacional e da vocação da política para o espetáculo, um fato atrapalha o uso de critérios mais racionais nas eleições municipais. Não temos tradição de discussão de temáticas urbanas e comunitárias. Portanto não há indicadores claros para medir a gestão de uma cidade. Temos algumas noções de quando um presidente vai bem ou vai mal: basta olhar, entre outras coisas, o nível de emprego, de salário ou de inflação. Mas o que significa, numa cidade como São Paulo, um prefeito "ir bem" e como se mede isso é uma agenda a ser construída.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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