São Paulo, sábado, 18 de julho de 1998

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DATA VENIA
Quem investiga o MP?

ANTONIO CARLOS BARANDIER
No conflito entre a Polícia Federal e o Ministério Público, reproduzido na esfera dos Estados, de conotação nitidamente política, presente a insaciável sede de poder a que se referia Bertrand Russell, não poderia ser mais infeliz o representante da OAB na assustadora "comissão criada pelo Ministério da Justiça para levantar irregularidades na Polícia Federal".
É difícil acreditar que um representante da entidade da qual se espera a intransigente defesa do Estado democrático de direito, da Constituição, do devido processo legal, da amplitude de defesa com os meios e recursos a ela inerentes, concite a Justiça a "concluir mais rapidamente possível os processos contra os policiais", insultando magistrados da maior dignidade e responsáveis pelas ações penais em andamento; é difícil acreditar que tal representante conclame os juízes a "agir nesse caso como a juíza Denise Frossard", famosa por sentença expressivamente reformada. O representante da OAB assume postura típica da direita penal e da esquerda punitiva.
A serenidade e a lógica reclamam maiores esclarecimentos dos fatos. Sobretudo de um órgão relevante como a ordem dos advogados, impensável que os seus representantes retomem, trate-se ou não de policiais, o discurso repugnante dos porões das ditaduras e dos seus mais sórdidos agentes; inefável que a OAB promova a apologia da ilegalidade e ameace magistrados, reconhecendo que não tem dúvidas "de que quem recorrer à Justiça voltará", prosseguindo para arrematar: "A crise vai acabar chegando aos juízes, e eles terão de botar esses casos para a frente" ("O Globo", 6/7/98).
Melhor para todos seria que ninguém ignorasse não ter o processo penal o escopo de punir a qualquer preço. O apanágio da magistratura, que não é órgão do punir, é a imparcialidade, por mais que não faltem magistrados aos déspotas. Mais: As ações que se pretendem apressadas foram promovidas pelo Ministério Público, cabendo-lhe a perseguição criminal.
O representante da OAB certamente desconhece que a decisão apontada como paradigma foi estigmatizada pelo Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus que concedeu. O entrosamento num determinado caso entre o juiz e o acusador, ressalvado o tratamento cordial, é indecente, imoral, além de manietar e aniquilar a defesa, sempre missão dos advogados inscritos na OAB.
O MP objetiva controlar a polícia e as investigações, o que resulta incomportável com o nosso sistema (sobre o tema, há magistral artigo de Evaristo de Moraes Filho). Entre nós, advogados têm denunciado arbitrariedades que procuradores e promotores, atuando como tiras, têm praticado.
A polícia é função essencial do Estado. O problema não é o de saber se a polícia deve existir ou não, mas a extensão dos poderes que exerce, de direito e de fato. O mesmo se diz em relação ao MP.
Nossos acusadores talvez se inspirem no sistema italiano. Recentemente, soube-se que as mãos limpas não eram tão limpas...
Diz-se que a polícia não merece confiança para investigar crimes de policiais. O argumento generaliza e compromete toda uma instituição. E o Ministério Público? Quem o investigará?


Antonio Carlos Barandier, 61, é advogado criminal e professor da Universidade Candido Mendes



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