São Paulo, sábado, 18 de julho de 1998

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JUSTIÇA
Portaria da SAR proíbe ex-presidiários de trabalharem como camelôs
Prefeitura discrimina ex-preso, dizem advogados

RODRIGO VERGARA
da Reportagem Local

A Prefeitura de São Paulo está promovendo discriminação no cadastramento de camelôs, segundo análise de advogados ouvidos pela Folha a respeito de uma portaria publicada no "Diário Oficial do Município".
A portaria, que regulamenta o trabalho dos ambulantes na cidade de São Paulo, foi publicada na última terça-feira. É de autoria do secretário das Administrações Regionais, Alfredo Mário Savelli.
A suposta discriminação aparece no item 3.4 da portaria. Ali, a prefeitura adianta que não poderão se cadastrar como camelôs pessoas que já tenham cumprido pena de prisão com duração acima de dois anos. E mais: para alguns tipos de crimes (leia a lista em quadro nesta página), a proibição independe da duração da pena cumprida.
"Está errado. O ex-presidiário deveria ser até priorizado na disputa por uma vaga de camelô, porque ele tem dificuldade de conseguir um emprego. Como camelô, ele não depende de ninguém, só de a prefeitura deixar ele trabalhar", diz Antonio Manuel Dárias Mendoza, 44, presidente do Clube de Lojistas de Santa Ifigênia.
"A licença não tem nada a ver com os antecedentes criminais. Cumpriu, acabou", diz Jorge Sarhan Salomão Filho, 40, diretor da Associação Comercial Centro.
Na avaliação de três advogados especializados em direito civil e constitucional ouvidos pela reportagem, a proibição seria um contra-senso e uma ilegalidade.
"Isso fere a Constituição, que diz que todos são iguais perante a lei. A prefeitura, ao contrário, está dizendo na portaria que as pessoas sem condenação ou com condenações pequenas são melhores que as que têm condenação grande", diz Celso Bastos, professor de direito da PUC-SP e ex-procurador do Estado de São Paulo.
Para Jairo Fonseca, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, a atitude da prefeitura impede a ressocialização do preso na sociedade e torna perpétua a sentença judicial. "A pessoa, cumprida a pena, seja de 2 anos, seja de 20 anos, está sem débito com a Justiça e com a sociedade."
Goffredo da Silva Telles, professor emérito da USP e ex-secretário da Educação de São Paulo, compartilha essa opinião e traz na memória exemplos que considera ilustrativos da importância da ressocialização do preso.
"O (famoso ladrão da década de 20, Gino Amletto) Meneghetti, por exemplo, ficou 43 anos preso. Quando saiu, ganhou uma concessão para ter uma banca de jornais e trabalhou nela até morrer, na década de 70", diz.
O advogado afirma que qualquer ex-preso pode conseguir um mandado de segurança para garantir o cadastramento.
Néo Marques, presidente da Atasp (Associação dos Trabalhadores Ambulantes de São Paulo), diz ser difícil saber quantos camelôs são ex-presidiários, porque os ambulantes não revelam.
"Mas uma coisa é certa: discriminando o ex-preso, a prefeitura está querendo ampliar o número de marginais e criminosos, porque, se nem camelô esse sujeito pode ser, o que vai restar para ele, senão roubar?"



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