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LETRAS JURÍDICAS
Acadêmicos de 1954 no vértice do tempo
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Passados 50 anos desde
sua formatura, os formados em direito no largo de São
Francisco em 1954 se questionarão sobre o que a vida, o Brasil e o
mundo lhes reservaram neste
meio século, ao se reunirem em
festa nos próximos dias 23 e 24.
Foram, de certo modo, um grupo
privilegiado. Alcançaram o título
universitário e, em seguida, antes
da quantificação avassaladora
do ensino, muitos deles chegaram
à pós-graduação e ao ensino superior. Sim, também houve desvantagens? O turbilhão das mudanças sociais, da comunicação
instantânea à globalização, agitou seu caminho. As leis em avalanchas confusas foram obstáculo
permanente ao trabalho dos operadores do direito.
Em alguns aspectos, porém, as
perspectivas da turma cinqüentenária são iguais às de hoje. Serão
poucos os dedicados às profissões
jurídicas. Entre os de 1954, também não foram muitos quando se
pensa nos milhares de formandos
deste 2004. Há cinco dezenas de
anos, mal chegavam a 500 no Estado de São Paulo.
Uma das vantagens do menor
número foi a possibilidade de
manter, sendo poucos e próximos,
a amizade formada nas salas de
aula. Sem falar nos casamentos
entre colegas. Essa realidade é
bem visível em "Bacharéis do IV
Centenário" (Editora Átomo, 141
páginas), livro de Sidney Gioielli,
escritor formado naquele ano. A
obra é repositório sensível e bom
de ler do que os acadêmicos fizeram e de como se houveram ao
longo do tempo, todos lembrados
com as datas de sua colação de
grau em uma lista no fim do volume. Os personagens do livro estão
nas notas do autor, no perfil da
turma heterogênea, reunindo figuras que brilharam em setores
díspares, no esporte, nas artes
plásticas, no comércio, na política, nos mais diversos segmentos
da administração pública.
Brilharam também no direito,
mesmo em se sabendo que as profissões jurídicas passaram por
transformação substancial, não
só pela maior complexidade das
leis mas, sobretudo, pela pluralização das espécies do direito aplicado. Os ramos clássicos (direitos
constitucional, civil, criminal, comercial, trabalhista, administrativo e internacional, com os correspondentes setores processuais),
além de direito romano e filosofia, foram subdivididos. Por
exemplo, o direito de empresa
criou vida própria. No campo dos
chamados direitos difusos, surgiram e se desenvolveram enormemente vários segmentos, como os
direitos ambientais e do consumidor. O direito agrário assumiu
feições novas. Os jovens que hoje
ingressam nas escolas de direito
sofrem mais, até na definição do
que pretenderão fazer depois de
formados. O trabalho isolado, individual, quase artesanal é, a rigor, impossível.
Os acadêmicos de 54 estão no
vértice do tempo: entre o muito
do passado e as limitações do futuro, condicionados pela realidade do possível. Lendo Sidney
Gioielli, vê-se que compuseram
um caleidoscópio variadíssimo de
tons, desde os mais altos postos
até as punições severas. Unidos
pela formatura. Que mundo deixarão para seus filhos e netos?
Um mundo marcado pelas desigualdades, mas com aberturas
propiciadas pelo progresso em
passos gigantescos. Um mundo
menos formal, mais verdadeiro.
Conscientes de terem missões à
frente, no direito e fora dele. Com
a sabedoria da velhice e a força do
entusiasmo que a lembrança dos
bancos do largo de São Francisco
deve manter firme e imortal.
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