São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Acadêmicos de 1954 no vértice do tempo

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Passados 50 anos desde sua formatura, os formados em direito no largo de São Francisco em 1954 se questionarão sobre o que a vida, o Brasil e o mundo lhes reservaram neste meio século, ao se reunirem em festa nos próximos dias 23 e 24. Foram, de certo modo, um grupo privilegiado. Alcançaram o título universitário e, em seguida, antes da quantificação avassaladora do ensino, muitos deles chegaram à pós-graduação e ao ensino superior. Sim, também houve desvantagens? O turbilhão das mudanças sociais, da comunicação instantânea à globalização, agitou seu caminho. As leis em avalanchas confusas foram obstáculo permanente ao trabalho dos operadores do direito.
Em alguns aspectos, porém, as perspectivas da turma cinqüentenária são iguais às de hoje. Serão poucos os dedicados às profissões jurídicas. Entre os de 1954, também não foram muitos quando se pensa nos milhares de formandos deste 2004. Há cinco dezenas de anos, mal chegavam a 500 no Estado de São Paulo.
Uma das vantagens do menor número foi a possibilidade de manter, sendo poucos e próximos, a amizade formada nas salas de aula. Sem falar nos casamentos entre colegas. Essa realidade é bem visível em "Bacharéis do IV Centenário" (Editora Átomo, 141 páginas), livro de Sidney Gioielli, escritor formado naquele ano. A obra é repositório sensível e bom de ler do que os acadêmicos fizeram e de como se houveram ao longo do tempo, todos lembrados com as datas de sua colação de grau em uma lista no fim do volume. Os personagens do livro estão nas notas do autor, no perfil da turma heterogênea, reunindo figuras que brilharam em setores díspares, no esporte, nas artes plásticas, no comércio, na política, nos mais diversos segmentos da administração pública.
Brilharam também no direito, mesmo em se sabendo que as profissões jurídicas passaram por transformação substancial, não só pela maior complexidade das leis mas, sobretudo, pela pluralização das espécies do direito aplicado. Os ramos clássicos (direitos constitucional, civil, criminal, comercial, trabalhista, administrativo e internacional, com os correspondentes setores processuais), além de direito romano e filosofia, foram subdivididos. Por exemplo, o direito de empresa criou vida própria. No campo dos chamados direitos difusos, surgiram e se desenvolveram enormemente vários segmentos, como os direitos ambientais e do consumidor. O direito agrário assumiu feições novas. Os jovens que hoje ingressam nas escolas de direito sofrem mais, até na definição do que pretenderão fazer depois de formados. O trabalho isolado, individual, quase artesanal é, a rigor, impossível.
Os acadêmicos de 54 estão no vértice do tempo: entre o muito do passado e as limitações do futuro, condicionados pela realidade do possível. Lendo Sidney Gioielli, vê-se que compuseram um caleidoscópio variadíssimo de tons, desde os mais altos postos até as punições severas. Unidos pela formatura. Que mundo deixarão para seus filhos e netos? Um mundo marcado pelas desigualdades, mas com aberturas propiciadas pelo progresso em passos gigantescos. Um mundo menos formal, mais verdadeiro. Conscientes de terem missões à frente, no direito e fora dele. Com a sabedoria da velhice e a força do entusiasmo que a lembrança dos bancos do largo de São Francisco deve manter firme e imortal.


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