São Paulo, domingo, 18 de setembro de 2005

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SEM DESTINO

Locais simbólicos de São Paulo, como o Hotel Hilton e o Cine Ipiranga, estão fechados à espera de novos projetos

Prédios históricos buscam nova identidade

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Hotel Hilton, símbolo do luxo do centro da capital nos anos 70, está fechado. O Cine Ipiranga também. O Hotel Lord Palace, idem. O Hospital Umberto Primo ninguém nem se lembra mais quando deixou de funcionar. Prédios que marcaram época aguardam um destino e, enquanto isso, tentam vencer o abandono e evitar depredações. Todos eles fazem parte da história paulistana.
Dependem, agora, de projetos e de acordos. O Hilton quer continuar sendo hotel. O Lord Palace está virando prédio comercial. O Umberto Primo sonha em abrigar consultórios ou uma faculdade ligada à área médica. Já o Cine Ipiranga está sem rumo e pode acabar se tornando bingo, como vários outros cinemas.
Primeiro hotel cinco estrelas do Brasil, o Hilton deixou de funcionar no fim do ano passado.
Os proprietários do prédio onde estava instalado não entraram em acordo com a rede hoteleira, conta Marcos Ruiz, gerente de manutenção do edifício.
A parceria, que durava 33 anos, foi quebrada. Agora, estão à procura de uma nova bandeira. "Não vamos deixar de ser hotel", afirma Ruiz. "Estamos negociando com alguns grupos, mas ainda não há nada certo."
Até que uma nova rede assuma o edifício, os proprietários mantêm equipes de segurança, de limpeza e de administração trabalhando. Tudo para que o novo parceiro já possa começar a operar assim que assinar o contrato.
A Folha teve acesso ao hotel na última sexta-feira. Descontando a ausência de hóspedes, pôde conferir que quase nada mudou. A piscina continua cheia, a recepção está toda equipada e a suíte presidencial permanece arrumada.
É como se os hóspedes pudessem voltar a qualquer momento. Até o contrato de assinatura com a TV à cabo prossegue.
O Hilton foi inaugurado em 1971 com um show de Roberto Carlos. Hospedou presidentes, artistas, atletas. Mas nenhuma celebridade causou tanto alvoroço quanto o grupo Menudos, nos anos 80. A confusão foi tão grande que o hotel precisou da polícia para conter os fãs. Logo depois, Michael Jackson, em turnê brasileira, queria ficar por lá. Traumatizada, a gerência do hotel recusou.
Ruiz torce para que esses dias de corre-corre voltem logo. "Vira e mexe chega algum hóspede, com mala e tudo, que não sabe do fechamento. A gente tem de indicar outro hotel. É uma pena."
Os administradores do Hospital Umberto Primo, que fica ao lado da avenida Paulista, também não se sentem confortáveis em ver seus prédios às moscas. Além de os paulistanos deixarem de ter um serviço médico de qualidade, a cidade vem perdendo um importante representante da arquitetura italiana. Fechadas há 12 anos, as construções do complexo estão se deteriorando.
Proprietária do imóvel desde 1996, a Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil) informa que ainda estuda o que fazer com o imóvel, já que a Associação de Amigos e Moradores em Defesa da Qualidade de Vida da Bela Vista conseguiu, em 99, uma liminar que limita as obras no local.
Segundo a assessoria do fundo de previdência, apenas projetos na área da educação ou da saúde serão aceitos. Ao ser eleito, o prefeito José Serra (PSDB) prometeu reabrir o hospital, mas nenhuma proposta foi encaminhada.
Se o Umberto Primo tenta manter sua função médica, o Hotel Lord Palace, na região central desde 1958, não faz questão de continuar com sua função original.
William Bumaruf, atual proprietário do local (fechado em junho do ano passado) conta que está alugando andares inteiros do prédio para empresas. "Não deu para continuar", afirma. "Além de o movimento no centro ter diminuído por causa do abandono da área, a concorrência com hotéis baratos era desleal."
Três dos 11 andares já estão ocupados. E o restaurante funciona em sistema de quilo, servindo 300 refeições por dia.
Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Nabil Bonduki acredita que edifícios antigos podem ter seu uso alterado desde que elementos estruturais, como as fachadas, sejam preservados.
"É importante manter esses prédios porque eles exercem um papel na paisagem da cidade", diz Bonduki, ex-vereador pelo PT. "A reciclagem do edifício é bem-vinda, basta ter bom senso para não destruir a história."
A empresa Alvorada, que mantém o Cine Ipiranga, parece não estar tão preocupada com a memória da cidade. Ao fechar as portas do cinema, em fevereiro, só divulgou um comunicado informando que as atividades seriam encerradas, sem revelar os motivos. O cinema, em seus primeiros anos, foi considerado o mais luxuoso da América do Sul.
Procurada pela reportagem nesta semana, a empresa não respondeu aos e-mails. Por telefone, uma pessoa que se identificou como Godói e se negou a dizer seu cargo e nome completo, afirmou apenas que a empresa está fazendo uma série de estudos.
Ao ser questionado sobre os projetos analisados, disse que não queria falar sobre o assunto e desligou o aparelho.
Na última quinta-feira, o local estava fechado com portões verdes e repleto de tábuas de madeira na entrada. O Ipiranga, inaugurado em 1943, era um dos últimos cinemas do centro.


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