São Paulo, segunda-feira, 18 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SOCIEDADE INVOLUNTÁRIA

Sapateiro descobriu que era sócio de viação quando a conta bancária foi bloqueada pela Justiça

"Fiquei doido, não conseguia dormir"

DA REPORTAGEM LOCAL

Em comum, a profissão de sapateiro, o fato de terem trabalhado na mesma fábrica de calçados, na zona leste de São Paulo, e o salário em torno de R$ 600. A quarta coincidência, José Simões, 51, e Gilson Nascimento de Oliveira, 34, só descobriram quando não eram mais colegas. Os dois sapateiros apareciam como sócios da Auto Viação Tabu Ltda., empresa que já operou com uma frota de 206 ônibus na capital paulista.
Pelos registros na Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo), os dois figuraram como donos da empresa de ônibus de 19 de dezembro de 1996 a 31 de março de 1998. Os sapateiros descobriram de forma traumática que tinham herdado as dívidas da empresa relativas a esse período.
Oliveira foi o primeiro a descobrir o esquema. Quando foi sacar R$ 100, no final de 2000, uma mensagem no caixa eletrônico do banco o surpreendeu: "Conta bloqueada por ordem judicial".
Da gerente do banco, ele ouviu pela primeira vez que aparecia como dono de uma empresa de ônibus. O bloqueio de seus bens fora determinado pela Justiça por causa de uma dívida trabalhista da Tabu de R$ 7.500.
A ação foi julgada à revelia porque Oliveira não foi achado -o endereço registrado na Jucesp era falso. "A minha reação foi a mais desoladora possível. A gente vive sossegado e acaba envolvido nisso, sem poder fazer nada."
Oliveira avisou Simões de que seu nome também aparecia como sócio. A fábrica de calçados fechou, mas os dois mantiveram contato em Itaquaquecetuba (Grande SP), onde viviam.
Simões resolveu esperar. Em um sábado à tarde, quatro meses atrás, ele foi surpreendido em sua casa por um oficial de Justiça. Nervoso, não conseguiu ler o documento. A citação era de uma dívida fiscal de mais de R$ 200 mil.
Depois, Simões diz que passou a sofrer de insônia. "Eu fiquei doido, não conseguia dormir", diz o sapateiro. "Minha família também ficou muito indignada", afirma Simões, que divide a casa de dois dormitórios no bairro Marengo, em Itaquaquecetuba, com a mulher, quatro filhos e um neto.
O termo "laranja", para ele, tem um significado próprio. "Dizem que laranja é trouxa. Mas eu não sou trouxa. Como saber quando alguém vai usar seus documentos?", questiona, no balcão de uma sapataria que conseguiu montar em Itaquaquecetuba.
Simões e Oliveira não sabem como seus nomes foram usados na fraude. Oliveira chegou a ir à Justiça para se informar sobre a decisão, mas, confuso com o emaranhado jurídico, desistiu e se mudou para Santa Catarina em 2002.


Texto Anterior: Outro lado: Advogado diz que só apresentará defesa à Justiça
Próximo Texto: Grupo Ruas Vaz ganhou espaço na gestão Marta
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.