São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2008

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Os dois lados erraram, dizem analistas

Governo paulista erra ao não negociar e grevistas ao realizarem manifestações com confronto, armas e tiros, segundo especialistas

Para professor, governador não tem plano B; policiais desqualificam suas reivindicações ao usarem armas, afirma antropóloga


MARIO CESAR CARVALHO
LUIS KAWAGUTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo de José Serra (PSDB) comete erros por mais tempo ao não negociar com grevistas, mas o equívoco dos policiais civis ao trocarem tiros anteontem nas imediações do Palácio dos Bandeirantes foi mais exuberante. A avaliação é do sociólogo Claudio Beato, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e um dos maiores especialistas em polícia no Brasil. Outros analistas concordam que as duas partes cometem erros.
"As imagens do conflito entre policiais vão ficar marcadas para sempre. Os policiais conseguiram tirar das manchetes a maior crise econômica desde 1929. Policial não pode fazer greve e sair nas ruas com armas. É um erro primário do ponto de vista político", diz.
Serra, segundo Beato, também erra em três frentes: ao não negociar com os grevistas; ao prestigiar a Polícia Militar e aumentar a rivalidade com a Polícia Civil; e por não ter planejado reajustes nos salários dos policiais. "Houve muito investimento em equipamento e pouco em pessoal."
Outra falha, para ele, foi não ter um plano B que conseguisse evitar que a população fosse afetada. Beato diz que o governador de Minas, Aécio Neves, foi mais hábil, em 2003, ao enfrentar uma greve das duas polícias: pôs o Exército nas ruas e esvaziou o movimento.
A antropóloga Paula Miraglia, do Ilanud, órgão das Nações Unidas que trata da violência, endossa a posição: "O maior erro dos policiais é fazer passeata com arma. A greve é legítima, a passeata é legítima, mas eles desqualificam suas reivindicações ao usar arma".
Os grevistas dizem que a maioria deles não estava armada nem fez disparos.

Erros do governo
José Afonso da Silva, professor aposentado da Faculdade de Direito da USP e secretário de Segurança de 1995 a 1999, na gestão Mário Covas (PSDB), diz que só o desenrolar do movimento mostrará qual dos dois lados errou mais. "A greve é defensável, mas talvez os grevistas estejam inflexíveis demais. O governo também erra ao não negociar. Se tivesse dialogado no começo, a greve não teria chegado ao estágio de conflito."
Afonso da Silva classifica como "erro grave" o plano dos grevistas de tentar atingir a sede do governo. "Atacar o Palácio é como derrubar uma autoridade. Não é legítimo."
O cientista político Leôncio Martins Rodrigues, pesquisador da história do sindicalismo, diz que a disputa eleitoral teve "papel importante" no confronto. O governo acusa a CUT e a Força Sindical de terem incitado os grevistas. "Fica estranho esse súbito amor dos sindicalistas pelo sindicalismo policial, porque os policiais sempre foram vistos como adversários dos sindicalistas. Isso pode ter uma conotação eleitoral."
Não dá para dizer se os sindicalistas erraram, diz, porque a questão depende de como a opinião pública absorverá o conflito. "Não dá para saber se isso será benéfico para Marta [Suplicy, candidata do PT à prefeitura]. Vai depender da capacidade do Serra de justificar o confronto."
O desembargador Henrique Calandra, do Tribunal de Justiça e presidente Associação Paulista de Magistrados, diz que faltou empenho do governo para resolver a questão no Supremo Tribunal Federal.
O governo praticamente abandonou a negociação no Tribunal Regional do Trabalho ao pleitear que o fórum adequado para o conflito era a Justiça comum, e não a trabalhista. Como não há lei sobre greve para funcionários públicos, a questão será decidida pelo ministro Eros Grau, do STF. Para Calandra, a Procuradoria paulista deveria pedir ao ministro uma resolução rápida. "O que não pode é ficar com o processo parado, olhando para a crise que se agrava a cada dia."
Ariel de Castro Alves, do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), diz que o governo foi intransigente ao não aceitar que o órgão e a OAB intermediassem a negociação. Houve, para ele, um erro de avaliação do governo: o de que a greve perderia força e acabaria.


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