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LETRAS JURÍDICAS
Defeitos da intromissão do Estado
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
O Estado brasileiro, mesmo
sob Constituição democrática,
tem se intrometido cada vez
mais na vida do cidadão, no
mais das vezes sem ser chamado, em moldes muito parecidos
com os que a ditadura pôs em
prática. Da intromissão, para
coisas boas e más, brota vigorosa fonte de novas questões judiciais, atravancando o Judiciário.
Faz tempo que tenho essa opinião, mas trato dela a contar da
frase de Horácio Piva, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), noticiada anteontem, segundo a qual somos vitimados
por "sistema de governo ineficaz, que enraizou o absolutismo
da burocracia no país".
A Constituição de 1988 ofereceu longa série de intervenções
sobre o direito do cidadão, sob
pretexto de o defender. Reiterou
formas de estatismo vigentes no
regime militar entre 1964 e 1985.
A intervenção estatal se mostra,
no exemplo mais gritante, em
cada medida provisória modificando direitos, impedindo a mínima estabilidade jurídica.
Em novembro, nos últimos
dez dias, saíram, em âmbito federal, oito leis, 12 decretos, seis
atos declaratórios da Receita Federal, duas cartas circulares do
Banco Central, nove instruções
normativas, três portarias, dois
pareceres e sete resoluções expedidas por órgãos da administração direta e indireta, sem falar nas 54 medidas provisórias,
20 das quais no dia 25 e nas milhares de normas estaduais e
municipais.
A intervenção excessiva no ordenamento jurídico amplia a intromissão dos burocratas e estimula a apresentação de queixas
ao Poder Judiciário. Cria situação paradoxal: embora órgão de
governo, o Judiciário é congestionado porque os outros ramos
do governo -o Executivo e o
Legislativo- contribuem para
a confusão. Violam direitos.
Atentam contra a Constituição.
Forçam a reação dos atingidos.
O ministro Nelson Jobim, do
STF (Supremo Tribunal Federal), tem razão quando diz que
há leis malfeitas de propósito.
Não se trata de problema só
brasileiro e propõe a discussão
do papel da burocracia e de uma
de suas vítimas, a magistratura.
Muito embora os juízes não sejam eleitos e estejam distantes
das vivências populares, tendendo a formar uma espécie de
classe à parte, a importância de
seu papel de cidadãos decorre
da missão constitucional e legal
de equilibrar relações entre o
Estado e a sociedade, desde o reconhecimento da inconstitucionalidade das leis e de atos normativos.
A intervenção judicial tem
proposto também a questão de
saber se, em nosso processo democrático, deve ser aceito que
juízes profissionais possam alterar norma votada e aprovada
pelos representantes da maioria
eleita pelo povo.
Na visão teórica, a resposta
purista sugeriria o contrário.
Deve sempre predominar a
vontade da maioria.
Todavia, observada a realidade prática, com as leis malfeitas,
gerando influxos danosos dos
burocratas, há que se concluir,
ao menos por ora, pela possibilidade da mescla de organismos
populares e não-populares, permitindo a estes a busca do equilíbrio.
A solução proposta, contudo,
se ressente de um defeito. Para
corrigi-lo, é necessário que, no
espaço interno da magistratura,
não seja permitida a formação
de privilégios no topo dos tribunais, enquanto a base (ou a plebe, se parecer melhor ao leitor)
dos juízes continua limitada e
tolhida por regras disciplinares,
ditadas de cima. O grupo dos
mais antigos, por estar afastado
das tensões que agitam a sociedade urbana atual, não tem
mostrado plena aptidão para a
compreender por inteiro. É o
defeito a corrigir.
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