São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 2000

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MOACYR SCLIAR
Decifrando Greenspan

 Greenspan é "senhor do universo". Presidente do Banco Central dos EUA, é ele quem decide se os juros vão subir, cair ou permanecer inalterados ditando as regras da economia.
Dinheiro, 7.dez.2000

Era um grupo de investidores muito pequeno, e muito seleto. Ninguém sabia ao certo que critérios tinham sido usados nos convites, mas uma coisa era evidente: tratava-se de gente importante, gente capaz de mover enormes somas, de colocar e tirar (principalmente tirar) enormes somas em países emergentes com um único telefonema. Ali estavam, pois, aguardando com ansiedade o pronunciamento do convidado, que ainda não estava presente e cuja identidade era mantida em segredo: dizia-se apenas que era o único homem nos Estados Unidos capaz de antecipar as medidas de Alan Greenspan. Ele dedicara a sua vida a estudar o perfil do presidente do Banco Central, do qual conhecia tudo, desde o grau dos óculos até as preferências culinárias.
Dizia-se que a metodologia por ele usada era absolutamente fantástica. Por exemplo: por meio de fotos, avaliava cuidadosamente o volume da pasta que Greenspan levava consigo. Quanto maior o volume, maior a quantidade de papéis, ou seja, maior a quantidade de estudos realizados pelos assessores. Grande número de estudos significava que uma ameaça à economia havia sido detectada, quer no sentido da inflação, quer no sentido da recessão, e isto significa uma iminente mudança na taxa de juros. Esses indicadores, como o misterioso personagem os rotulava, permitiam estabelecer prognósticos quase seguros.
Finalmente a cortina ao fundo da sala abriu-se e o homem apareceu. Trajando um elegante terno, usava, contudo, uma máscara, dessas máscaras pretas que caracterizam policiais ou assaltantes. O anfitrião explicou que isso tinha sido uma exigência do próprio convidado, que queria manter sua identidade em segredo. De fato, tão logo ele começou a falar, viu-se que sua voz estava distorcida por um dispositivo eletrônico. Mais: usava luvas, também. Não deixaria impressões digitais na mesa.
O misterioso personagem confirmou: estudava Greenspan há vários anos. O presidente do Banco Central, para ele, não tinha segredos: Greenspan é previsível.
Uma pausa, e acrescentou:
- Os senhores é que não são. E é por isso que esta reunião não adianta nada.
Decepcionados, aborrecidos, os convidados deixaram a sala, seguidos pelo anfitrião que não parava de se desculpar.
Sozinho no recinto, o homem disse para si próprio:
- Meu Deus, o que não tem de fazer um presidente de Banco Central. Esta máscara enche mais o saco que a maquiagem do Grinch.
Com um puxão, arrancou-a. E era, naturalmente, Alan Greenspan. Vivendo mais uma de suas aventuras econômicas.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.



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