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MOACYR SCLIAR
Decifrando Greenspan Greenspan é "senhor do universo".
Presidente do Banco Central dos
EUA, é ele quem decide se os juros
vão subir, cair ou permanecer inalterados ditando as regras da economia.
Dinheiro, 7.dez.2000
Era um grupo de investidores muito pequeno, e muito seleto. Ninguém sabia ao certo
que critérios tinham sido usados
nos convites, mas uma coisa era
evidente: tratava-se de gente importante, gente capaz de mover
enormes somas, de colocar e tirar
(principalmente tirar) enormes
somas em países emergentes com
um único telefonema. Ali estavam, pois, aguardando com ansiedade o pronunciamento do
convidado, que ainda não estava
presente e cuja identidade era
mantida em segredo: dizia-se
apenas que era o único homem
nos Estados Unidos capaz de antecipar as medidas de Alan
Greenspan. Ele dedicara a sua vida a estudar o perfil do presidente
do Banco Central, do qual conhecia tudo, desde o grau dos óculos
até as preferências culinárias.
Dizia-se que a metodologia por
ele usada era absolutamente fantástica. Por exemplo: por meio de
fotos, avaliava cuidadosamente o
volume da pasta que Greenspan
levava consigo. Quanto maior o
volume, maior a quantidade de
papéis, ou seja, maior a quantidade de estudos realizados pelos
assessores. Grande número de estudos significava que uma ameaça à economia havia sido detectada, quer no sentido da inflação,
quer no sentido da recessão, e isto
significa uma iminente mudança
na taxa de juros. Esses indicadores, como o misterioso personagem os rotulava, permitiam estabelecer prognósticos quase seguros.
Finalmente a cortina ao fundo
da sala abriu-se e o homem apareceu. Trajando um elegante terno, usava, contudo, uma máscara, dessas máscaras pretas que caracterizam policiais ou assaltantes. O anfitrião explicou que isso
tinha sido uma exigência do próprio convidado, que queria manter sua identidade em segredo. De
fato, tão logo ele começou a falar,
viu-se que sua voz estava distorcida por um dispositivo eletrônico.
Mais: usava luvas, também. Não
deixaria impressões digitais na
mesa.
O misterioso personagem confirmou: estudava Greenspan há
vários anos. O presidente do Banco Central, para ele, não tinha segredos: Greenspan é previsível.
Uma pausa, e acrescentou:
- Os senhores é que não são. E é
por isso que esta reunião não
adianta nada.
Decepcionados, aborrecidos, os
convidados deixaram a sala, seguidos pelo anfitrião que não parava de se desculpar.
Sozinho no recinto, o homem
disse para si próprio:
- Meu Deus, o que não tem de
fazer um presidente de Banco
Central. Esta máscara enche mais
o saco que a maquiagem do
Grinch.
Com um puxão, arrancou-a. E
era, naturalmente, Alan Greenspan. Vivendo mais uma de suas
aventuras econômicas.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em matérias publicadas
no jornal.
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