UOL


São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Hipótese difundida pela indústria omite que o ar do fumante e o do não-fumante se misturam na central de ar condicionado

Não existe sistema de circulação seguro

DA REPORTAGEM LOCAL

Não existe nenhum sistema de circulação de ar que permita a convivência de fumantes e não-fumantes em ambientes fechados sem trazer riscos.
A razão é simples, segundo Luiz Fernando de Góes Siqueira, 48, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Meio Ambiente e Controle da Qualidade do Ar de Interiores: o ar do fumante e o do não-fumante se misturam na central de ar condicionado.
Na América Latina, a indústria difundiu a idéia errônea de que sistemas de ventilação adequados seriam a solução para permitir a convivência de fumantes e não-fumantes no mesmo ambiente.
"Esse sistema é uma falácia porque não consegue renovar 100% do ar, mas no máximo 25%."
O cigarro, diz ele, é o principal poluente de matéria particulada. O tamanho de suas partículas, que são cancerígenas, equivale a um milésimo da cabeça de um alfinete. Segundo o relatório da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) sobre o Projeto Latino da indústria, o uso de sistemas de ventilação para melhora da qualidade do ar de interiores é inócuo quando há fumaça de cigarro. Não há um nível de exposição à nicotina seguro.
A única forma de evitar a poluição do cigarro é segregar o fumante, diz o pneumologista José Rosemberg, professor aposentado da Faculdade de Medicina da PUC e um dos principais pesquisadores de tabagismo no país.
As companhias de cigarro também investiram em campanhas de "tolerância" ao fumo, cujo alvo eram os donos de restaurantes, bares e hotéis. Apregoavam que a exposição ao fumo é uma questão de preferência, não de saúde.
Rosemberg dá dois exemplos do poder de contaminação da nicotina: "Num prédio de oito andares, se alguém fumar, você encontrará nicotina em todo o prédio. Se um pai fumar na sala de jantar e um filho estiver dormindo no quarto, a dez metros de distância, dá para detectar nicotina na urina da criança".
Para que um componente como esse fosse detectado em "níveis mínimos" ou "insignificantes", como repetem os estudos patrocinados pela indústria, os pesquisadores usavam um método fraudulento, segundo Joaquin Barnoya, da Universidade da Califórnia em San Francisco: "Eles faziam as medições em horários em que os prédios estavam vazios".
Trabalho de 1995 sobre a qualidade do ar em escritórios e restaurantes do Rio e de São Paulo, dirigido por Antonio Horácio Miguel, professor do Instituto de Química da USP à época, privilegiou churrascarias e pizzarias que usavam lenha. A fumaça da madeira camuflava os níveis de nicotina, de acordo com Barnoya.
Há falhas metodológicas primárias, na avaliação de James Repace, especialista em fumo passivo. Em nenhum dos locais pesquisados no Rio e em São Paulo há o número médio de fumantes. A contabilidade só é feita em horário de pico.
Repace estranhou também os níveis de nicotina apontados no estudo. Num escritório americano com 283 m3, onde três fumantes consomem dois cigarros por hora, a concentração de nicotina é de 15 microgramas por metro cúbico. Num escritório no Rio, o estudo encontrou só um décimo dessa concentração.
No Chile, o toxicologista Lionel Gil, da Universidade do Chile, propôs fazer o levantamento na época em que a poluição em Santiago é mais alta, o que ajudaria a mascarar os níveis de nicotina.



Texto Anterior: Cortina de fumaça: Indústria barra restrição ao fumo com pesquisas de resultado suspeito
Próximo Texto: Frases
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.