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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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DANUZA LEÃO

O fim do amor

Não há nada mais complicado na vida do que a relação homem/mulher, e esse novo Código Civil veio para confundir ainda mais, com a tal da relação estável.
O que é mesmo uma relação estável? Em se tratando de sentimentos, a instabilidade está sempre presente, e quando se trata de namoro, a coisa pega mesmo.
A mulher, sempre cheia de esperanças em relação a um possível futuro casamento, tende sempre a achar que a relação é estável; só que o sexo masculino é diferente. Quantas vezes você perguntou a uma amiga -que viu algumas vezes com o mesmo homem- se estavam namorando e ela respondeu que não sabia? Assumir um simples namoro é difícil para eles.
E tem mais: um pode achar que a relação é estável e o outro não -afinal, nada mais subjetivo do que uma relação; mas agora, com o tal do novo código, um deles pode ir à Justiça e, com duas testemunhas, pleitear a metade do conjugado que o outro a duras penas comprou, ou uma pensão. Está certo? É claro que não. E isso vai levar a quê? Os homens, que odeiam compromissos, vão passar a evitar sair mais do que duas vezes com a mesma mulher, para que não seja caracterizada a tal da relação estável.
Os mais ricos, coitadinhos, esses nunca mais vão poder se apaixonar.
Consequência imediata: nos almoços femininos de sábado, a reclamação sobre a falta de homem vai aumentar. E o amor, que já não era fácil de encontrar, vai ficar cada dia mais difícil.
As mais prósperas correm o mesmo perigo. Se conseguiram fazer uma poupança, por menor que seja, não vão mais poder namorar o bonitão que mora com a mãe, vive na praia e nunca pensou em trabalhar. A qualquer momento ele vai ao juiz e leva a metade -tem graça?
Os advogados acham que a solução é, logo no segundo encontro, tirar do bolso um documento, a ser assinado pelos dois, segundo o qual ambos renunciam a qualquer direito sobre os bens do outro -mais romântico, impossível. É, a vida sentimental da população vai sofrer um baque, e as consequências das novas leis vão repercutir na vida noturna, na inspiração dos compositores, na moda, nos salões de beleza, nos hotéis dos balneários. Para que comprar um vestido novo e sofrer na ginástica, se não vai poder mais namorar e cantarolar no ouvido -ou ouvir- "Beija eu, beija eu"? A vizinha de mesa poderá ser a testemunha que vai acabar com a sua vida. E dormir junto, bem enroscado, num fim de semana, isso nunca mais.
Fora o direito de herança. Eu tenho uma amiga, casada há muitos anos, que tem três filhos de um primeiro casamento, e ele, dois, de outra mulher; o casal mora num apartamento que é dela. No dia em que o novo código foi divulgado na imprensa, minha amiga leu tudo, atentamente, e foi logo dizendo: "Se eu morrer, você vai ficar com a metade do meu apartamento, e quando você morrer, seus filhos, que mal falam comigo, vão herdar essa metade de você; não é justo o que deveria ser dos meus filhos ir para os seus, e se um dia um deles tiver uma relação estável, quem vai se dar bem será a namorada dele. Vou ter que falar com um advogado; afinal, tudo o que eu tenho é este apartamento, e só eu sei o que ralei para comprar". Aí ele, irritado, respondeu: "Você quer que eu faça o que, um testamento? Pelo visto, você não confia em mim; pois fique sabendo que nem eu nem meus filhos estamos interessados na porcaria do seu apartamento".
O clima ficou ruim, ou melhor, péssimo, e o domingo acabou mal: desconfianças generalizadas, fim da paz familiar e, tudo indica, o começo do fim do amor.
Esses juristas nem imaginam a encrenca que arranjaram.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br



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