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MOACYR SCLIAR
Fantasia
Lá pelas tantas ele já
não estava mais vestido
de Super-Homem, ele
era o Super-Homem.
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Agora você vai se transformar num dos
maiores heróis, senão o maior deles, o
Super- Homem! Esta fantasia é confeccionada em helanca poliéster. Possui capa, é super detalhada, e vem em tamanho
grande. Com a fantasia do Super-Homem você vai mergulhar em uma grande
aventura! Anúncio, Folha Online
COMO MUITOS outros quarentões, ele não era de Carnaval.
Detestava a folia, o desfile, as
músicas. Detestava sobretudo as
fantasias, ainda mais quando usadas
por adultos. Onde é que já se viu, dizia para a mulher, adulto vestindo
estas bobagens, é uma pouca
vergonha.
A mulher, que estava acostumada
ao mau humor do esposo, ouvia sem
dizer nada. Sabia que, quando o Carnaval terminasse, tudo voltaria ao
normal. Era só questão de tempo.
Mas então aconteceu uma coisa
surpreendente. Entrando na internet ele descobriu, por acaso, o anúncio de uma loja que oferecia fantasias para o Carnaval. Já ia desligar o
computador, impaciente, quando
um detalhe chamou-lhe a atenção:
uma das fantasias oferecidas era a
do Super-Homem.
O Super-Homem tinha sido o
grande herói de sua infância. Quantas vezes sonhara em ser o homem
de aço! Quantas vezes sonhara em
voar pelos céus da cidade, diante dos
olhares embasbacados de seus vizinhos! Uma vez, chegara a pedir ao
pai que lhe comprasse uma fantasia
do Super-Homem. Mas o pai, humilde funcionário público, não tinha dinheiro para isto. De modo que só em
imaginação ele se transformava no
super-herói.
Agora, porém, podia realizar este
sonho: próspero industrial, dinheiro
não lhe faltava para comprar a fantasia. E mais, a época era inteiramente
adequada. Desfilaria à vontade pelas
ruas da cidade sem chamar a atenção: afinal, seria apenas um fantasiado a mais.
Sem vacilar, pegou o telefone e encomendou a fantasia, que foi entregue no dia seguinte, véspera do Carnaval. Ele vestiu-a e, de inopino, surgiu na frente da mulher que abriu a
boca, espantada: nunca vira o marido fantasiado. Vou dar uma volta pela cidade, ele anunciou e ela, impressionada, concordou.
A volta, na verdade, durou dois
dias. Dois dias durante os quais ele
andou por ruas e avenidas, sem parar. Quanto mais andava, mais ia incorporando o espírito da fantasia: lá
pelas tantas ele já não estava mais
vestido de Super-Homem, ele era o
Super-Homem. Caminhava altivo,
pisando firme, sem qualquer receio
de assaltantes (eles que se atrevessem a atacá-lo! Veriam o que é enfrentar um super-herói). O anúncio
tinha razão, ele estava mergulhado
em uma grande aventura, uma
aventura que mudara a sua vida.
E aí, quase por acaso, passou perto
do belo prédio em que morava. Lembrou-se de que a mulher estava à sua
espera, decerto nervosa, e resolveu
dar-lhe uma satisfação: mesmo super-heróis podem ser cordiais. Entrou no apartamento, falou sobre a
verdadeira metamorfose pela qual
tinha passado, anunciou que uma
nova vida estava começando para
ele, uma vida que, infelizmente, excluía o casamento. Aliás, a separação
para a mulher seria até prudente: ter
relações com um homem de aço poderia ser para ela uma coisa
perigosa.
Despediu-se, dizendo que estava à
disposição. Ia sair voando pela janela, mas considerando que isto poderia ser um choque para a coitada resolveu, ao menos por aquela vez,
usar o elevador. Uma pequena humilhação que, em homenagem ao
longo casamento, ele enfrentaria
com a coragem de um super-herói.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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