São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

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MOACYR SCLIAR

Fantasia


Lá pelas tantas ele já não estava mais vestido de Super-Homem, ele era o Super-Homem.


Agora você vai se transformar num dos maiores heróis, senão o maior deles, o Super- Homem! Esta fantasia é confeccionada em helanca poliéster. Possui capa, é super detalhada, e vem em tamanho grande. Com a fantasia do Super-Homem você vai mergulhar em uma grande aventura! Anúncio, Folha Online

COMO MUITOS outros quarentões, ele não era de Carnaval. Detestava a folia, o desfile, as músicas. Detestava sobretudo as fantasias, ainda mais quando usadas por adultos. Onde é que já se viu, dizia para a mulher, adulto vestindo estas bobagens, é uma pouca vergonha.
A mulher, que estava acostumada ao mau humor do esposo, ouvia sem dizer nada. Sabia que, quando o Carnaval terminasse, tudo voltaria ao normal. Era só questão de tempo.
Mas então aconteceu uma coisa surpreendente. Entrando na internet ele descobriu, por acaso, o anúncio de uma loja que oferecia fantasias para o Carnaval. Já ia desligar o computador, impaciente, quando um detalhe chamou-lhe a atenção: uma das fantasias oferecidas era a do Super-Homem.
O Super-Homem tinha sido o grande herói de sua infância. Quantas vezes sonhara em ser o homem de aço! Quantas vezes sonhara em voar pelos céus da cidade, diante dos olhares embasbacados de seus vizinhos! Uma vez, chegara a pedir ao pai que lhe comprasse uma fantasia do Super-Homem. Mas o pai, humilde funcionário público, não tinha dinheiro para isto. De modo que só em imaginação ele se transformava no super-herói.
Agora, porém, podia realizar este sonho: próspero industrial, dinheiro não lhe faltava para comprar a fantasia. E mais, a época era inteiramente adequada. Desfilaria à vontade pelas ruas da cidade sem chamar a atenção: afinal, seria apenas um fantasiado a mais.
Sem vacilar, pegou o telefone e encomendou a fantasia, que foi entregue no dia seguinte, véspera do Carnaval. Ele vestiu-a e, de inopino, surgiu na frente da mulher que abriu a boca, espantada: nunca vira o marido fantasiado. Vou dar uma volta pela cidade, ele anunciou e ela, impressionada, concordou.
A volta, na verdade, durou dois dias. Dois dias durante os quais ele andou por ruas e avenidas, sem parar. Quanto mais andava, mais ia incorporando o espírito da fantasia: lá pelas tantas ele já não estava mais vestido de Super-Homem, ele era o Super-Homem. Caminhava altivo, pisando firme, sem qualquer receio de assaltantes (eles que se atrevessem a atacá-lo! Veriam o que é enfrentar um super-herói). O anúncio tinha razão, ele estava mergulhado em uma grande aventura, uma aventura que mudara a sua vida.
E aí, quase por acaso, passou perto do belo prédio em que morava. Lembrou-se de que a mulher estava à sua espera, decerto nervosa, e resolveu dar-lhe uma satisfação: mesmo super-heróis podem ser cordiais. Entrou no apartamento, falou sobre a verdadeira metamorfose pela qual tinha passado, anunciou que uma nova vida estava começando para ele, uma vida que, infelizmente, excluía o casamento. Aliás, a separação para a mulher seria até prudente: ter relações com um homem de aço poderia ser para ela uma coisa perigosa.
Despediu-se, dizendo que estava à disposição. Ia sair voando pela janela, mas considerando que isto poderia ser um choque para a coitada resolveu, ao menos por aquela vez, usar o elevador. Uma pequena humilhação que, em homenagem ao longo casamento, ele enfrentaria com a coragem de um super-herói.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


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