São Paulo, quinta, 19 de fevereiro de 1998

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OPINIÃO
'Judeufobia' de uma negra

JACOB PINHEIRO GOLDBERG
Marilene Felinto escreveu uma crônica na Folha, anteontem, a pretexto do filme ""Amistad" - outra vez, de maneira agressiva, dando seu recado anti-semita, fruto, parece, de um problemático complexo de inferioridade. O deboche começa no título, em que usa "caramba' ' para qualificar o pênis avacalhado, ao qual se reporta no fim do texto quando fala do pênis grande dos negros, fantasia recorrente da homossexualidade não assumida, em plenitude.
Arrola, de maneira confusa e angustiada, argumentos anti-semitas, pobres no conteúdo e criminosos na finalidade.
1) Diz que judeus e negros são inimigos, porque judeus são milionários e negros são pobres. Impossível luta comum contra o racismo. Imitação do ódio de Farrakhan, arauto do "lúmpen" negro norte-americano, sempre pronto a extorquir dinheiro das organizações liberais judaicas. Sugere que Steven Spielberg, em vez de gastar US$ 70 milhões no filme, deveria reservar a esmola aos negros.
Embora não considere Spielberg o melhor tradutor da indignação diante do morticínio nazista (prefiro o clássico "Shoah" ), "Amistad" ajuda a resgatar a negritude diante do racismo branco. Marilene, aparentando a inveja da fracassada, insiste nos chavões do "dinheiro judeu", "controle judeu sobre a mídia" (mas é ela que tem a coluna na Folha para projetar seus minúsculos sentimentos).
Aliás, são ditadores negros, ladrões e corruptos que, da África, depositam milhões de dólares roubados de seus povos na Suíça... Lembro a frase paradigmática de Engels: "O anti-semitismo é o socialismo dos tolos".
2) Diz que a raça (concepção anticientífica) judia é endogâmica. O genro do presidente e o companheiro de Xuxa desmentem a bobagem, sustentada por fanáticos de cá e de lá. O medo retorna à contração, ao gueto físico e espiritual. A lição do passado ilustra. José e Moisés casaram-se com mulheres que não eram do povo de Israel. A figura feminina mais impressionante da Bíblia é Rute, a moabita, bisavó do rei Davi.
Na grande jornada histórica, o futuro da Anunciação teológica passa pelo amálgama com os povos do mundo, o ímpeto messiânico. Ao contrário do que prega a tradição posterior, a base do judaísmo autêntico é o casamento misto. A importância do laço sanguíneo (matrilinhagem) para identificar o judeu é racista, étnica. O judaísmo de Buber e Spinoza (linhagem moseísta) é ético, não étnico; depende só da opção espiritual. A identidade se faz pela escolha. É judeu quem se crê judeu.
Registro o verso lapidar de Gilberto Gil, este, sim, negro humanista: "Bob Marley morreu porque além de negro era judeu". Em Israel, judeus negros da Etiópia, os "falashas", compõem o esforço de alteridade que uniu um dia o rei Salomão e a rainha de Sabá.
E, ainda que para desgosto de Marilene, cito, de meu livro "A Discriminação Racial e a Lei Brasileira", a apresentação de Eduardo de Oliveira, da Casa da Cultura Afro-Brasileira: "Frente à mesa eucarística da comunhão de todos os povos e todas as raças, todos e cada criatura encontrem sobejas razões para viver em paz, sob o signo do amor e da fraternidade".


Jacob Pinheiro Goldberg é doutor em psicologia pela Universidade Mackenzie, advogado e assistente social. E-mail: goldberg@uol.com.br



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