São Paulo, domingo, 19 de março de 2000 |
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EDUCAÇÃO Apesar de decisão da Justiça, prefeitura e Estado não oferecem transporte para alunos da periferia Crianças andam 10 km para ir à escola
GABRIELA ATHIAS da Reportagem Local Adriele, 8, e Érika, 6, vizinhas no Jardim Eliana, periferia da zona sul de São Paulo, estão acostumadas à vida dura. Todos os dias andam duas horas a pé para ir e voltar da escola e ainda ajudam suas mães a cuidar da casa. Elas só não se acostumam com a violência. No dia 15, para chegar à sala de aula, além de cruzar favelas, as meninas tiveram de passar em frente à cabeça de um homem, pendurada em uma árvore, a poucos metros do colégio."Fiquei apavorada", diz Adriele. A polícia suspeita que a cabeça seja de um traficante. Uma forma de garantir o transporte das crianças do Jardim Eliana já é objeto de uma ação na Justiça. Estado e prefeitura têm até o dia 27 para cumprir liminar que os obriga a fornecer transporte para pelo menos 300 crianças, com idades entre 6 e 8 anos. O Grajaú, onde está localizado o Jardim Eliana, é um dos cinco distritos mais violentos da cidade, onde foi registrado o maior número absoluto de homicídios em São Paulo, no ano passado: 270, 27% a mais do que em 1998. Isso quer dizer que, onde as crianças são obrigadas a andar até dez quilômetros a pé, a taxa de homicídio é de 90,9 a cada 100 mil moradores. Muitas dessas crianças fazem esse trajeto às 19h, quando termina o turno da tarde. Esses números são resultado da divisão do resultado do Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade), da prefeitura, pela população da cidade de São Paulo projetada pela Fundação Seade em 99. O problema de transporte das crianças do Jardim Eliana deveria ser solucionado amanhã, mas anteontem, no fim da tarde, o promotor de Justiça Motauri Cioccheti de Souza, autor da ação, descobriu que, por um erro do cartório, as crianças terão de esperar mais uma semana pela solução do problema. É que o oficial de Justiça entregou às secretarias da Educação (do Estado e do município) a papelada da notificação incompleta e só providenciou o envio de novas cópias no dia 17. Enquanto a burocracia não se resolve, as crianças que enfrentam o trajeto do centro do bairro até o morro, onde está localizada a Escola Municipal Jardim Eliana, passam por situações difíceis de serem enfrentadas até pelos moradores adultos. As que estão alojadas provisoriamente em salas de aula de escolas estaduais precisam atravessar a avenida Belmira Marins, que tem a calçada praticamente toda tomada por pneus e lixo. Gerson, 7, há cerca de 20 dias presenciou o assassinato de um perueiro. O pai, Milton, foi buscá-lo na Escola Estadual João Goulart (onde, provisoriamente, estuda parte das crianças matriculadas em "vagas virtuais", no início do ano). Uma vizinha pediu aos dois que a acompanhassem por alguns metros, quando o motorista de uma perua foi morto a tiros. "Os passageiros ficaram apavorados", relata o menino. O promotor Cioccheti de Souza quer que Estado e prefeitura forneçam transporte para crianças que morem mais de dois quilômetros distantes da escola. "Esse é o limite do razoável para uma criança andar a pé", diz ele. Em uma cidade como São Paulo, em que a cada hora e meia um cidadão é assassinado (dados do Pro-Aim) é difícil dizer onde está o perigo, mas as estatísticas mostram que as crianças dos bairros mais pobres estão mais expostas à violência. Onde o poder aquisitivo é maior, há mais qualidade de vida. Jardim Paulista, Vila Mariana e Alto de Pinheiros são os distritos menos violentos da capital. Jandira dos Santos Ribas, líder comunitária, diz que, se Estado e prefeitura não fornecerem transporte escolar, as mães vão fazer protestos em frente à Secretaria Municipal da Educação. "Temos de chamar a atenção. Estamos aqui isolados do resto da cidade", afirma Jandira. Tão isolados, que enquanto a prefeitura declara guerra às peruas clandestinas no resto da cidade, elas são a única solução para a maioria das mães do Jardim Eliana, especialmente para as que têm os filhos na escola homônima ao bairro. Texto Anterior: Dirigente não vê ilegalidade Próximo Texto: Prefeitura de SP culpa chuva Índice |
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