São Paulo, sábado, 19 de maio de 2001

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SAÚDE MENTAL

Internação continua prevalecendo em tratamento psiquiátrico

Manicômios resistem à legislação

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Código de Saúde do Estado de São Paulo prevê que as internações psiquiátricas serão usadas como último recurso terapêutico e que os manicômios deverão ser, gradativamente, substituídos por ações extra-hospitalares.
O código foi aprovado em 1995. Seis anos depois, somente 500 pacientes estão sendo atendidos nas 120 casas terapêuticas do Estado. Mais de 9.000 continuam em hospitais psiquiátricos.
Ontem, entidades que pregam o fim dos manicômios comemoraram mais um Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Hoje à noite, uma festa no "casarão da rua Itapeva", onde funciona o Centro de Apoio Psicossocial (considerado o Caps pioneiro), vai marcar a data com apresentações e forró.
O "casarão" foi enfeitado com bandeirolas que comemoram a sanção da lei federal que determinaria o fim do manicômio.
Mas a lei não determina o fim de nada. Originalmente proposta pelo deputado Paulo Delgado (PT-MG), em nome do Movimento pela Luta Antimanicomial, a lei sancionada no dia 6 de abril permaneceu uma década no Congresso sem mudar o cenário da saúde mental no país.
O que pretendia ser a decretação do fim do manicômio transformou-se numa proposta de conduta que enfatiza os direitos humanos. "A lei aponta na direção que buscamos, mas saiu bastante descarnada", diz Marcus Vinícius de Oliveira, do Conselho Federal de Psicologia e membro da comissão de saúde mental no Conselho Nacional de Saúde.
Enquanto a lei patinava no Congresso, pelo menos seis Estados aprovaram legislações que apontam para a substituição dos manicômios. "Na prática, pouca coisa mudou", diz o deputado Roberto Gouveia (PT), autor da lei do Código de Saúde paulista.
Em meados dos anos 80, 97% dos gastos gerais com saúde mental eram consumidos com internações psiquiátricas e o restante com serviços alternativos. Hoje, a proporção é de 95% para 5%.
"Há um consenso entre governos, profissionais e mesmo usuários de que a grande maioria dos pacientes poderia estar em serviços comunitários, mas continua ocorrendo o contrário", diz a psiquiatra Ana Pitta, coordenadora do programa estadual de saúde mental e que comandou até agosto a área no Ministério da Saúde.
Segundo ela, pelo menos 60 mil pacientes poderiam estar sendo acompanhados em rede ambulatorial, mas o número de serviços é de apenas 232. "São R$ 432 milhões anuais gastos com internações e apenas R$ 22 investidos em serviços comunitários."
Para psiquiatras que defendem a reforma, como Jonas Melman, do Caps-Itapeva, a resistência às mudanças decorrem da pressão dos donos de hospitais psiquiátricos e da preocupação da sociedade, que teme ver seus "loucos" fora dos manicômios. No debate, a polêmica se concentrou em "manter ou fechar hospitais e leitos psiquiátricos", quando o problema é mais amplo.

Casa terapêutica
Entre os argumentos daqueles que criticam a "luta antimanicomial" estão a necessidade da manutenção de modernos serviços psiquiátricos e os custos dos equipamentos alternativos. Para o professor Valentim Gentil Filho, titular de psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, o país vive um "problema crônico de desassistência", com metade dos moradores de rua sofrendo de problemas psiquiátricos graves.
"Sou contra os manicômios, mas precisamos de hospitais modernos e de casas asilares que possam abrigar as pessoas. Casas terapêuticas, para oito pessoas, são caras, uma ficção."
Pelos cálculos das entidades que adotaram essa prática, os custos das casas assistidas são menores que os R$ 700 mensais pagos pelo SUS aos hospitais psiquiátricos.
No Rio Grande do Sul, a legislação vem mostrando que pode haver consenso entre as partes. A lei do deputado Marcos Rolim (PT), aprovada em 92, desistiu de fixar prazos para fechamento dos manicômios e priorizou serviços alternativos. Hoje, dois terços dos 500 municípios do Estado têm serviço psiquiátrico comunitário.


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