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WALTER CENEVIVA
Três eventos e um assunto
No campo da combinação entre religião e Estado, o Brasil viveu, e vive, pêndulo razoavelmente confuso
TRÊS EVENTOS da semana, embora diversos entre si, são
unidos por um mesmo ponto
da teoria geral do Estado, o do confronto qualitativo entre o controle
leigo ou religioso dos atos de governo. São eles: a morte do reverendo
Jerry Falwell da ultradireita conservadora nos Estados Unidos; o movimento popular na Turquia, pedindo
governos laicos e, óbvio, os pronunciamentos do papa Bento 16, em sua
visita ao Brasil.
Falwell foi, no dizer do "Times" de
Los Angeles, o fundamentalista que
transformou a direita na força política que elegeu Ronald Reagan e
apóia o Partido Republicano do presidente Bush, para além da simples
atuação denominacional. Parte do
povo turco quer afastar a intromissão religiosa nas decisões socioeconômicas e políticas do país. Bento
16, neste mundo globalizado, opôs
restrições ao capitalismo, ao marxismo e a governos não democráticos.
No campo da combinação entre
religião e Estado, o Brasil viveu, e vive, pêndulo razoavelmente confuso.
Na primeira Constituição brasileira,
datada de 25.03.1824, o artigo 5º
afirmava a continuação do catolicismo (apostólico romano) como a religião do Império, reiterando a predominância dos tempos da colônia.
Outros credos eram permitidos,
mas em lugares particulares "sem
forma alguma exterior do templo".
A Constituição republicana de
1891 apontou no rumo oposto, do
Estado laico. Seu artigo 11 proibia o
alistamento eleitoral a religiosos de
"comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência". A Constituição do Império só
reconhecia o casamento e o ensino
da religião católica; a republicana
apenas admitiu (art. 70, 4º) o casamento civil e o ensino leigo. As cartas seguintes da República, democráticas ou ditatoriais, mostraram
formas de relatividade laica, como
se vê de feriados nacionais do nascimento e da paixão de Cristo, da descoberta de Nossa Senhora Aparecida e assim por diante.
O que será melhor, nesse assunto,
para povos tão diversos quanto o
norte-americano, o turco e o brasileiro? Penso que o Estado leigo, com
separação efetiva entre religião e governo, dá a solução adequada, como
se percebe em dificuldades surgidas
da confusão entre religião e Estado
ao longo do tempo. Lembrem-se,
ainda, as crises que convulsionam
populações inteiras, como viu na Irlanda do Norte, entre católicos e
protestantes. A história dá força à
posição em favor do laicato. Evidencia a gravidade das perseguições
sempre que uma religião predominou nas decisões do Estado.
Os fatos da semana mostram que a
permanência do tema tem relevo
continuado em todo o planeta. A razão pela qual prefiro o predomínio
do Estado laico se compreende até
pela liberdade, assegurada a todos,
de professar a religião que quiserem,
ou, ainda, nenhuma delas.
Quando Bento 16 convocou os católicos para a defesa do catolicismo,
não se mostrou intolerante. Defendeu o seu universo. Do mesmo modo, quando pastores de outras religiões criticaram posições do papa,
estiveram no direito de o fazer. Não
o fariam se predominasse o Estado
de uma só religião ou, pior ainda, o
da proibição de qualquer culto. Nesse campo, a idéia da livre escolha,
sem interferência nos fatos de governo, tem até mais beleza que outras liberdades constitucionais.
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