São Paulo, sábado, 19 de maio de 2007

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WALTER CENEVIVA

Três eventos e um assunto

No campo da combinação entre religião e Estado, o Brasil viveu, e vive, pêndulo razoavelmente confuso

TRÊS EVENTOS da semana, embora diversos entre si, são unidos por um mesmo ponto da teoria geral do Estado, o do confronto qualitativo entre o controle leigo ou religioso dos atos de governo. São eles: a morte do reverendo Jerry Falwell da ultradireita conservadora nos Estados Unidos; o movimento popular na Turquia, pedindo governos laicos e, óbvio, os pronunciamentos do papa Bento 16, em sua visita ao Brasil.
Falwell foi, no dizer do "Times" de Los Angeles, o fundamentalista que transformou a direita na força política que elegeu Ronald Reagan e apóia o Partido Republicano do presidente Bush, para além da simples atuação denominacional. Parte do povo turco quer afastar a intromissão religiosa nas decisões socioeconômicas e políticas do país. Bento 16, neste mundo globalizado, opôs restrições ao capitalismo, ao marxismo e a governos não democráticos.
No campo da combinação entre religião e Estado, o Brasil viveu, e vive, pêndulo razoavelmente confuso. Na primeira Constituição brasileira, datada de 25.03.1824, o artigo 5º afirmava a continuação do catolicismo (apostólico romano) como a religião do Império, reiterando a predominância dos tempos da colônia. Outros credos eram permitidos, mas em lugares particulares "sem forma alguma exterior do templo".
A Constituição republicana de 1891 apontou no rumo oposto, do Estado laico. Seu artigo 11 proibia o alistamento eleitoral a religiosos de "comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência". A Constituição do Império só reconhecia o casamento e o ensino da religião católica; a republicana apenas admitiu (art. 70, 4º) o casamento civil e o ensino leigo. As cartas seguintes da República, democráticas ou ditatoriais, mostraram formas de relatividade laica, como se vê de feriados nacionais do nascimento e da paixão de Cristo, da descoberta de Nossa Senhora Aparecida e assim por diante.
O que será melhor, nesse assunto, para povos tão diversos quanto o norte-americano, o turco e o brasileiro? Penso que o Estado leigo, com separação efetiva entre religião e governo, dá a solução adequada, como se percebe em dificuldades surgidas da confusão entre religião e Estado ao longo do tempo. Lembrem-se, ainda, as crises que convulsionam populações inteiras, como viu na Irlanda do Norte, entre católicos e protestantes. A história dá força à posição em favor do laicato. Evidencia a gravidade das perseguições sempre que uma religião predominou nas decisões do Estado.
Os fatos da semana mostram que a permanência do tema tem relevo continuado em todo o planeta. A razão pela qual prefiro o predomínio do Estado laico se compreende até pela liberdade, assegurada a todos, de professar a religião que quiserem, ou, ainda, nenhuma delas.
Quando Bento 16 convocou os católicos para a defesa do catolicismo, não se mostrou intolerante. Defendeu o seu universo. Do mesmo modo, quando pastores de outras religiões criticaram posições do papa, estiveram no direito de o fazer. Não o fariam se predominasse o Estado de uma só religião ou, pior ainda, o da proibição de qualquer culto. Nesse campo, a idéia da livre escolha, sem interferência nos fatos de governo, tem até mais beleza que outras liberdades constitucionais.


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