São Paulo, terça, 19 de maio de 1998

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SAÚDE
Estudo mostra que droga mais usada para tratar a Aids não funciona em 15% dos novos casos diagnosticados da doença
Nova geração de HIV resiste ao AZT

LUCIA MARTINS
da Reportagem Local

Pesquisa realizada nos EUA mostra que 15% dos novos casos diagnosticados de Aids são resistentes ao AZT, sem nunca ter sido tratados com a droga.
Essas pessoas teriam sido infectadas com uma nova geração de HIV -o vírus que causa a Aids- que já não é mais atingido pela mais usada droga no mundo para combater a doença.
O levantamento -feito por um consórcio de universidades e laboratórios, entre eles a Universidade de Stanford- acabou de ser realizado e será publicado em breve, segundo David Cooper, diretor científico da Quest Diagnostics, um megalaboratório norte-americano de testes de HIV.
Cerca de 2.500 pessoas que se contaminaram com o vírus recentemente foram analisadas por pesquisadores e testadas pelo Quest.
"O vírus do início da epidemia é completamente diferente do que existe agora", afirma Cooper, que participa de um simpósio sobre Aids em São Paulo na próxima quinta-feira.
Os estudos da resistência aos remédios que combatem o vírus são muito recentes. Eles são feitos por meio da análise das transformações genéticas sofridas pelo HIV.
Resistência é diferente de eficácia dos remédios. Um remédio pode não ser eficaz por vários motivos (aderência ao tratamento, efeitos colaterais etc). Mas, se existir resistência, a eficácia pode cair a zero porque, após milhares de mutações, o vírus desenvolve um meio de fugir e não ser mais "encaixado" pelo remédio.
Não é possível saber qual era o índice de resistência ao AZT no início da epidemia (anos 80) porque esse tipo de análise genética do vírus não era feita na época. Especialistas afirmam, no entanto, que esse índice deve ser muito maior do que o inicial.
"Isso parece muito claro. É a mesma coisa que ocorreu com a penicilina. Quando surgiu, a resistência bacteriana era praticamente zero. Hoje, ela existe", afirma o médico Jacques Elkis, que organizou o simpósio em São Paulo.
"Se realmente for provado (um estudo só é respeitado após a publicação em um jornal científico), esse resultado é muito triste. A gente já desconfiava que, em uma parcela dos portadores do vírus, existia resistência primária (em pessoas não tratadas)", diz o infectologista Vicente Amato Neto.
Nos EUA, vários estudos analisando as mutações genéticas do vírus HIV já estão em andamento. O objetivo é classificar os diferentes tipos de vírus e, com isso, fazer com que os doentes saibam que remédios utilizar antes mesmo de iniciar o tratamento. O uso do AZT em uma pessoa que contraiu um vírus já resistente aumenta ainda mais a resistência e acelera o aparecimento da doença.
No Brasil, não há estudos semelhantes por causa do alto custo por paciente. O AZT é uma das drogas compradas pelo governo e distribuídas para os doentes para combater o HIV.



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