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NA TV
"Quem tem fé voa!", profetizou o Zelão das Asas
MAURO ALENCAR
especial para a Folha
A telenovela brasileira ainda era
dominada por originais cubanos,
em 69, quando o dramaturgo baiano Dias Gomes escreveu sua primeira novela: "A Ponte dos Suspiros", ambientada em Veneza, 1500.
A falta de sintonia com o estilo
dramalhão da cubana Glória Magadan (supervisora de novelas da
Globo) o fez assinar a novela com o
pseudônimo de Stela Calderón.
Dias já mostrava o desejo de tratar
de temas brasileiros na teledramaturgia e começou a falar sobre política.
Conclusão: mudaram o horário.
De 7 horas da noite, passou a ser
exibida às 10 horas e inaugurou o
horário de novelas que mais discutiu os problemas do Brasil.
Longe da supervisão estrangeira
(Magadan partia para Miami),
Dias Gomes pôde então adaptar e
ampliar seu universo teatral para
os lares de milhões de brasileiros.
A primeira, "Verão Vermelho", tinha a Bahia como cenário e tratava
de assuntos como desquite e reforma agrária, em 1970.
Para escrever a primeira novela
em cores da televisão brasileira,
Dias, mais uma vez, voltou às origens. "O Bem-Amado" transformou-se em assunto diário dos brasileiros ao mostrar a farsa sociopolítica armada pelo prefeito Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo)
em seu desejo enlouquecido de
inaugurar o cemitério da fictícia
Sucupira, interior da Bahia. Foi aí
que assistimos às diversas religiões
que embalam o Brasil: reuniu-se
catolicismo e umbanda numa só
trama. A liberdade de expressão
era mostrada no jornal "A Trombeta", de Neco Pedreira (Carlos
Eduardo Dolabella). "O Bem-Amado" foi a primeira novela brasileira a ganhar o exterior.
Em 1975, a censura, mais uma
vez, interfere numa criação do escritor e "Roque Santeiro" é proibida. A resposta veio com a ousada
"Saramandaia" e seu realismo-fantástico em que João Gibão (Juca
de Oliveira) tinha asas e, apesar de
ser obrigado a apará-las para não
chamar a atenção dos "inimigos",
elas crescem e, para deleite dos telespectadores, João voa no último
capítulo. Havia, também, Dona
Redonda (Wilza Carla), uma
ameaça que "a qualquer momento
poderá explodir", como lembravam os habitantes da cidadezinha
baiana.
Com o Brasil vivendo o processo
de abertura política, Dias assinou,
enfim, o bombástico sucesso de
"Roque Santeiro" (escrita com
Aguinaldo Silva), em 1985. E o Brasil se viu retratado na fictícia Asa
Branca por meio de personagens
como a viúva Porcina e o sinhozinho Malta (Regina Duarte e Lima
Duarte). Parecia até a concretização do que dizia o Zelão das Asas
(Milton Gonçalves) em "O Bem-Amado": "Quem tem fé voa!".
Mauro Alencar é mestre em telenovela pela USP
e consultor de novelas para a Rede Globo
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