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HC suspende atendimento diferenciado
AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local
O Instituto do Coração -e todos
os institutos do Hospital das Clínicas de São Paulo- não poderá
mais oferecer atendimento diferenciado para pacientes SUS e pacientes particulares e de convênios. As filas serão as mesmas, as
esperas serão iguais, os leitos não
poderão ser separados e o conforto
de cadeiras não será diferente.
O fim da chamada "segunda porta" ou "dupla entrada" do HC faz
parte de um acordo concluído ontem entre o Ministério Público e a
direção do hospital. A superintendência do HC apresentará na próxima semana uma proposta do
cronograma de ajustamento. Alguns acertos terão de ser feitos
imediatamente. Outros, ao longo
de seis meses. Num período máximo de 180 dias, nenhum atendimento poderá ser diferenciado.
O modelo de "dupla entrada",
que foi inaugurado pelo Incor ainda no final dos anos 70, sempre dividiu as opiniões. Seu fim pode parecer um ponto para a democratização do atendimento à Saúde, como determina a Constituição.
Na prática, no caso do Hospital
das Clínicas, pode significar o fim
de recursos extras, que no ano passado chegaram a R$ 80 milhões.
No mesmo ano, a entrada de dinheiro pelo SUS somou R$ 100 milhões, segundo dados do HC.
No Incor, os recursos de convênios significavam 57%, contra os
43% do SUS. O fechamento dessa
porta "pode inviabilizar o Incor
como instituição", disse José D'Elia Filho, que assumiu a superintendência do HC há seis semanas.
A tendência é que, tendo que se
submeter às mesmas filas, os pacientes privados e conveniados
troquem a "qualidade do HC e do
Incor" pela rapidez de qualquer
outro hospital privado. "Por melhor que seja nosso atendimento, o
paciente tem uma preocupação
com a hotelaria e o tempo de espera que certamente vai afastá-lo daqui e colocará em risco nossas verbas suplementares", diz D'Elia.
A decisão do Ministério Público,
que em princípio beneficiaria o paciente SUS, vai acabar por prejudicá-lo, diz o superintendente. "Os
recursos extras eram destinados a
equipamentos e complementação
de salários. Sem eles, vamos ter
uma evasão de profissionais."
O pedido de instauração de um
inquérito civil sobre o atendimento privado dado pelo HC foi feito
ainda em dezembro de 1997 pelo
deputado Jamil Murad (PC do B).
O inquérito vem sendo presidido
pelo promotor Vidal Serrano Nunes Junior, do Grupo de Atuação
Especial da Saúde Pública e da
Saúde do Consumidor, criado em
fevereiro passado pelo Ministério
Público.
A polêmica sobre a combinação
público-privado na Saúde aumentou em 1997 quando a superintendência do HC anunciou que abriria suas portas para pacientes particulares.
Definiu-se que a parcela de atendimento privado não passaria dos
15%, o que já acontecia com o Incor. "Hoje, no conjunto do HC, o
número de pacientes privados representa apenas 4%, embora em
recursos some R$ 80 milhões", diz
D"Elia.
Adib Jatene, professor titular da
Faculdade de Medicina da USP e
diretor-geral do Incor, tem afirmado que os novos recursos permitem "manter e ampliar o atendimento para quem depende do serviço público". "O modelo adotado
por nós transformou o instituto,
então praticamente inviabilizado,
num dos mais importantes centros
de cardiologia do mundo."
Em outro extremo se encontra o
ex-secretário e ex-deputado José
Aristodemo Pinotti, também titular da Medicina da USP. "A segunda porta fere os princípios de um
hospital público de referência e como decisão financeira não está
dando resultado", afirma.
Segundo seus cálculos, se aproveitasse os "espaços ociosos do
hospital e o tempo ocioso dos seus
profissionais", o HC poderia atender 50% mais de pacientes SUS.
"Com apenas 10% a mais de atendimento público, o hospital receberia mais do que pagam os particulares."
Para racionalizar o atendimento,
o hospital instalou um sistema de
marcação de consulta por telefone.
As consultas só são agendadas para a semana seguinte, desde que o
paciente consiga estar entre os primeiros a telefonar.
As filas de espera desapareceram, "mas a demanda reprimida é
enorme", diz Pinotti. "Passei um
ano telefonando várias vezes por
semana", disse Ester Vieira de Carvalho, 40.
Ontem pela manhã, o Incor estava marcando exames de particulares para os dias seguintes. Enquanto estes aguardavam em poltronas
estofadas, os pacientes do SUS esperavam em cadeiras de plástico.
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