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LETRAS JURÍDICAS
500 anos da família brasileira
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
Para repassar temas da família nos 500 anos da descoberta
do Brasil, reli trechos sobre regime de bens no casamento, nas
Ordenações Filipinas, que continuaram vigorando em nosso
país quase cem anos depois da
independência. Predominava a
comunhão universal, salvo se os
noivos contratassem solução
diferente, mas o dote (valores
ou bens entregues ao marido,
geralmente pelos pais da noiva)
era comum.
Havia alternativas curiosas.
Com relação sexual, mas sem
"provarem que foram recebidos
à porta da igreja ou fora dela,
com licença do prelado", os noivos não eram meeiros de seus
bens. Entendeu-se, nos séculos
17 a 19, que a irrevogabilidade
do casamento só nascia com a
cópula (termo preferido nas Ordenações), depois da cerimônia
religiosa, mas não antes, o que
também acontecia naqueles
tempos virtuosos. Nesse caso,
porém, inexistiria meação dos
bens. O leitor moderno não conseguiria calcular quanta tinta
se gastou debatendo o assunto,
mas se trata de normas acolhidas em leis atuais.
Logo depois do primeiro desembarque em Porto Seguro,
apesar do rigor legal, preponderaram as uniões livres. O relacionamento dos degredados e
dos dois grumetes que aqui ficaram, referidos na carta de Pero
Vaz de Caminha, com mulheres
índias deve ter originado as primeiras "famílias brasileiras".
Até o fim do século 17, havia
poucas mulheres brancas na colônia, o que explica o grande
número de mamelucos, filhos
de brancos com índias, sem o
casamento formal.
De 1500 a 1891 o matrimônio
religioso foi o único reconhecido e o único admitido para que
os filhos fossem registrados na
paróquia. Contudo, os filhos de
pessoas não casadas entre si,
ainda que portuguesas, não
eram registráveis, assim como
os nascidos de escravos africanos e de índios não cristianizados. O relacionamento das mulheres negras e índias com
brancos gerou filhos considerados espúrios, que também não
podiam ser reconhecidos. Circunstância que, aliás, não impediu o aparecimento de grandes populações mestiças, como
se sabe.
No Brasil Colônia, a mulher
casada não administrava seus
bens, tarefa reservada ao marido. Contudo, como muitos maridos se embrenhavam em expedições ou em serviços distantes, o matriarcado autoritário
também encontrou representantes vigorosas, no pleno exercício do controle do lar e de seus
bens. Até 1962, porém, a lei continuou atribuindo ao marido a
chefia da sociedade conjugal e a
administração dos bens do casal.
Para os próximos anos, não se
prevê mudança radical na família brasileira. A liberdade sexual será mantida, com métodos mais seguros, garantindo a
liberdade feminina.
É provável algum retorno a
formas clássicas, com e sem casamento legal, em que um dos
membros do casal (geralmente
a mulher) se encarregará do lar
e que a monogamia - mais ética que jurídica - encontre lugar nos projetos masculinos e
femininos. Claro que, com o divórcio, poderá ser uma monogamia por vez.
A projeção mais importante,
para o futuro refere-se aos filhos. A paternidade e a maternidade biológicas perderão importância, em face dos modernos métodos de reprodução assistida, em laboratório. O convívio e a aceitação da unidade
familiar, ainda que não biológica, deverão predominar.
A cópula, elemento fundamental do direito de família
nas velhas Ordenações, terá
perdido parte de seu significado, mostrando que, às vezes, a
ciência prejudica aspectos positivos do direito.
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