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LETRAS JURÍDICAS
Restrições profissionais ao jornalismo
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O jornal "The Independent" relacionou e a Folha publicou nesta
semana 17 mentiras atribuídas à
dupla Bush-Blair (reunidos anteontem para discutirem a saída
da enrascada) ou a seus auxiliares
por conta da ocupação militar do
Iraque. É uso comum -e todo
mundo sabe disso- que sempre
se acha um bode expiatório para
mostrar que os mentirosos foram
outros, e não os líderes. O Direito,
nesse campo, passou por transformação radical ao longo dos séculos. A regra, durante as monarquias absolutas e, depois, nas
grandes ditaduras, era a de que o
rei ou o líder não cometiam erros
("King can do no wrong", no original inglês). O direito constitucional revogou-a.
Bush e Blair como ficam na fotografia? São legalmente responsáveis pelo que disseram e pelo
que fizeram, considerados os deveres de seus cargos. Quando se
pensa, porém, na cobertura jornalística e na obrigação resultante
da plena liberdade de informação,
livre de censura, a fotografia da
mídia sai pior. Bush e Blair estiveram mais para Gepettos do que
para Pinóquios (Gepetto foi o
marceneiro criador de Pinóquio,
boneco de madeira que ganhou
vida própria e cujo nariz crescia
quando mentia. Ambos foram
personagens imaginados pelo italiano Carlo Collodi em 1881). Acolhendo informações oficiais, sem
juízo crítico aceitável, a mídia só
acordou quando os objetivos militares e econômicos de conquista
do Iraque estavam completados.
Enfim, acordou, mas acordou tarde.
A conduta dos Gepettos e dos
Pinóquios chama a atenção pelo
efeito colateral da contribuição
que o jornalismo deu na divulgação não-crítica das informações
falsas. Há mais: a mídia internacional continua silenciando sobre
os presos de Guantánamo, dois
dos quais, por serem britânicos,
serão provavelmente libertados
depois da visita de Blair, ficando
os outros submetidos a cortes militares, sob o risco de condenação
à morte.
No Brasil, país em que o diploma de jornalista é exigido para o
exercício profissional, a avaliação
não melhora. Pergunta-se: diploma ajuda?
Sentença recente, publicada no
jornal da Associação dos Juízes
Federais da 3ª Região, da magistrada Carla Abrantkoski Rister,
da 16ª Vara Federal, em ação civil
pública movida pelo Ministério
Público, diz que não. Concluiu
pela dispensa do diploma, afirmando que a prática do jornalismo não se enquadra nos casos em
que as qualificações profissionais
estabelecidas na lei devam ser satisfeitas por meio de curso em escola exclusiva dessa profissão. Ela
refere acórdão do Supremo Tribunal Federal relatado pelo ministro Thompson Flores, para
quem as condições de capacidade
devem funcionar como defesa social, sob preponderante interesse
da sociedade.
Na atualidade, as máquinas de
governo, com enorme capacidade
de dominação e convencimento,
exigem particular qualidade intelectual para separar o joio do trigo. O jornalismo levou meses para detectar e caracterizar as mentiras graves e para expô-las. A verdade a pesquisar, por trás da vontade dos governantes, exige capacidade imediata de compreender
todos os lados dos fatos da administração antes de serem noticiados ou comentados, para assim os
transmitir aos leitores, ouvintes e
telespectadores. São requisitos
que andam em baixa. Será bom
que a experiência desse conflito
sugira novos rumos e exigências
para o jornalismo nacional e internacional, agora que a dúvida
honesta e o juízo crítico severo
voltam a ganhar corpo.
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