São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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DANUZA LEÃO

O pesadelo feminino

Pergunte a qualquer mulher que não costuma mentir -e vai ser difícil encontrar uma- qual a pior coisa que pode acontecer no decorrer de uma vida. Se for sincera, vai confessar: ele não telefonar no dia seguinte. Ele, seja ele quem for.
Não importa o que aconteceu na noite anterior: se foram ao cinema, a uma festa, ao parque de diversões. Mesmo que ela não tenha achado a menor graça, que não pretenda vê-lo nunca mais, basta que ele não ligue para ela se sentir a última das mulheres.
Se ela violou a regra de ouro que diz que não se deve ir para a cama com um homem no primeiro encontro, foi por isso, é claro (ela acha). Por que não seguiu os ensinamentos que conhece tão bem e que já cansou de repetir às amigas: homem é caçador por natureza, homem não gosta de mulher fácil, é preciso jogar o jogo e se fazer de difícil, é preciso primeiro estabelecer uma relação e só depois transar, essas coisas elementares que se aprende em criança no colégio de freiras. Enquanto reflete sobre as famosas teorias, não consegue fazer nada, esperando que o telefone toque.
Não, não é o caso de ficar ansiosa. Ele não ligou ainda porque nenhum liga de manhã, é claro; depois foi trabalhar, teve o trânsito da volta, só chegou em casa às 8h, então não tem por que se afobar. Mas mulher se afoba, porque mulher nasce com essa sina: estar sempre esperando o telefonema de um homem, estando ou não apaixonada, para poder sofrer bastante e ficar bem afobada. É sina mesmo.
Às 9h ele ainda não ligou, e ela pensa: será que deu o telefone certo? Será que, entre uma margherita e outra, o dedo não escorregou e o oito ficou parecendo um três, ou vice-versa? Ah, essa mania de beber para perder a timidez, quando é que vai aprender? São 10h e ele não ligou ainda; não vai ligar nunca mais, é claro. Mas se por acaso acontecer do telefone tocar, não vai atender, para que ele não pense que é uma jogada fora e que não teve programa naquela noite.
Às 10h30 ouve o triiiim; se esforça mas não resiste, nem deixa a secretária atender, diz alô no segundo toque, antes que ele desista pensando que ela não está. Só que era uma amiga, apenas uma amiga, que ligou só para perguntar se ele ligou. Ainda mais essa.
Difícil, a vida. Ela devia ter ido a um cinema para não ficar nessa agonia, mas se tivesse ido ia largar o filme no meio e voltar pra casa correndo para ver se tinha recado na máquina. Sabe perfeitamente o que deveria ter feito: se tivesse sido mais difícil, ele estaria hoje de quatro, comendo na mão dela; os homens são todos iguais.
O pior é que as mulheres também. Para se acharem lindas, bacanas, sedutoras e maravilhosas, precisam do aval de um homem, seja ele quem for. Não adianta ser a mais deslumbrante atriz de cinema, a mais competente profissional, não adianta o que dizem os amigos, os analistas, nada significa nada se ele não tiver ligado no dia seguinte.
Eles não sabem que esse telefonema do dia seguinte é mais importante para elas do que todas as descobertas científicas, todas as guerras, mais importante do que a paz universal.
E é melhor que continuem não sabendo.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br

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