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PASQUALE CIPRO NETO
"Em que pesem os argumentos do ministro..."
Já faz algum tempo que devo a muitos leitores comentários sobre a flexão do verbo "pesar" quando empregado na expressão "em que pese(m)".
Vamos lá, pois, começando por
algo que ouvi no rádio há dois ou
três dias: "Em que pese os argumentos do ministro, o presidente
Lula deve...". Nesse caso, o verbo
"pesar" significa "ter importância", "ter peso". Não é preciso ir
muito longe para perceber que o
sujeito de "pesar" é o que tem peso ou importância, ou seja, os argumentos do ministro.
Moral da história: como o verbo
concorda com o sujeito, "pesar"
deve ser flexionado no plural
("Em que pesem os argumentos
do ministro, o presidente Lula deve..."; "Em que pesem as irreprocháveis observações do articulista, a banca optou por não anular
a questão, o que compromete a
reputação da instituição").
O que acabamos de ver é apenas
um dos lados da questão. O outro
se refere ao emprego da expressão
"em que pese a alguém", que se
vê, por exemplo, em frases como
"Em que pese aos assalariados, o
governo não corrige a tabela do
IR pela inflação plena".
O que ocorre em casos como esse? Por que o verbo ficou (e deve
ficar) no singular nesse tipo de
construção? Leia novamente, caro leitor, e note que o sujeito de
"pesar" nem de longe pode ser a
expressão "aos assalariados".
Não são eles que pesam. O que pesa (a eles, aos assalariados) é o fato de o governo não corrigir a tabela do IR pela inflação plena.
É como se tivéssemos aí as palavras "isto" ou "isso", subentendidas: "Em que (isto) pese aos assalariados, o governo não corrige a
tabela do IR pela inflação plena";
"O governo não corrige a tabela
do IR pela inflação plena, em que
(isso) pese aos assalariados".
Pode-se dizer que a expressão
"em que (isto) pese a alguém"
equivale a algo como "ainda que
(isto) pese a alguém" ou "ainda
que (isto) cause incômodo a alguém": "Ainda que (isto) cause
incômodo aos assalariados, o governo não reajusta a tabela...".
A esta altura, convém lembrar
que, se o termo "assalariados"
fosse substituído por "assalariadas", a forma "aos" se transformaria em "às": "Em que pese às
assalariadas, o governo não reajusta a tabela do IR...". O motivo é
simples: se algo pesa a alguém e
esse alguém é representado por
uma palavra feminina que exige
o artigo definido (feminino, é óbvio), ocorre crase (ou seja, fusão)
da preposição "a" (de "pesar a alguém") com o artigo.
O resultado disso é que, se escrevemos "Em que pese ao menino, é
preciso imobilizar-lhe o braço",
escreveremos "Em que pese à menina, será preciso..."; se escrevemos "Em que pese aos meninos,
será preciso mudar-lhes a dieta",
escreveremos "Em que pese às
meninas, será preciso...".
Que fique claro, pois: em "Os
pais não mudarão a dieta dos filhos, em que pesem os resultados
dos exames", o sujeito de "pesar"
é "os resultados dos exames", por
isso o verbo fica no plural; em "Os
pais mudarão radicalmente o
cardápio da família, em que (isso) pese aos filhos" o sujeito de
"pesar" é o fato (de os pais mudarem o cardápio da família), por
isso o verbo é flexionado no singular, o que também ocorreria se
a palavra "isso" fosse explicitada.
O mecanismo talvez fique mais
claro com o uso de "ainda que"
("Os pais mudarão..., ainda que
isso pese aos filhos"). É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
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