São Paulo, quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

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PASQUALE CIPRO NETO

"Em que pesem os argumentos do ministro..."

Já faz algum tempo que devo a muitos leitores comentários sobre a flexão do verbo "pesar" quando empregado na expressão "em que pese(m)".
Vamos lá, pois, começando por algo que ouvi no rádio há dois ou três dias: "Em que pese os argumentos do ministro, o presidente Lula deve...". Nesse caso, o verbo "pesar" significa "ter importância", "ter peso". Não é preciso ir muito longe para perceber que o sujeito de "pesar" é o que tem peso ou importância, ou seja, os argumentos do ministro.
Moral da história: como o verbo concorda com o sujeito, "pesar" deve ser flexionado no plural ("Em que pesem os argumentos do ministro, o presidente Lula deve..."; "Em que pesem as irreprocháveis observações do articulista, a banca optou por não anular a questão, o que compromete a reputação da instituição").
O que acabamos de ver é apenas um dos lados da questão. O outro se refere ao emprego da expressão "em que pese a alguém", que se vê, por exemplo, em frases como "Em que pese aos assalariados, o governo não corrige a tabela do IR pela inflação plena".
O que ocorre em casos como esse? Por que o verbo ficou (e deve ficar) no singular nesse tipo de construção? Leia novamente, caro leitor, e note que o sujeito de "pesar" nem de longe pode ser a expressão "aos assalariados". Não são eles que pesam. O que pesa (a eles, aos assalariados) é o fato de o governo não corrigir a tabela do IR pela inflação plena.
É como se tivéssemos aí as palavras "isto" ou "isso", subentendidas: "Em que (isto) pese aos assalariados, o governo não corrige a tabela do IR pela inflação plena"; "O governo não corrige a tabela do IR pela inflação plena, em que (isso) pese aos assalariados".
Pode-se dizer que a expressão "em que (isto) pese a alguém" equivale a algo como "ainda que (isto) pese a alguém" ou "ainda que (isto) cause incômodo a alguém": "Ainda que (isto) cause incômodo aos assalariados, o governo não reajusta a tabela...".
A esta altura, convém lembrar que, se o termo "assalariados" fosse substituído por "assalariadas", a forma "aos" se transformaria em "às": "Em que pese às assalariadas, o governo não reajusta a tabela do IR...". O motivo é simples: se algo pesa a alguém e esse alguém é representado por uma palavra feminina que exige o artigo definido (feminino, é óbvio), ocorre crase (ou seja, fusão) da preposição "a" (de "pesar a alguém") com o artigo.
O resultado disso é que, se escrevemos "Em que pese ao menino, é preciso imobilizar-lhe o braço", escreveremos "Em que pese à menina, será preciso..."; se escrevemos "Em que pese aos meninos, será preciso mudar-lhes a dieta", escreveremos "Em que pese às meninas, será preciso...".
Que fique claro, pois: em "Os pais não mudarão a dieta dos filhos, em que pesem os resultados dos exames", o sujeito de "pesar" é "os resultados dos exames", por isso o verbo fica no plural; em "Os pais mudarão radicalmente o cardápio da família, em que (isso) pese aos filhos" o sujeito de "pesar" é o fato (de os pais mudarem o cardápio da família), por isso o verbo é flexionado no singular, o que também ocorreria se a palavra "isso" fosse explicitada. O mecanismo talvez fique mais claro com o uso de "ainda que" ("Os pais mudarão..., ainda que isso pese aos filhos"). É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras


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