São Paulo, quarta-feira, 20 de fevereiro de 2002

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COLAPSO NA SEGURANÇA

Misael Silva foi linchado ontem por cinco detentos; ordem teria vindo de outros líderes da facção, descontentes com suas decisões

PCC mata Misa, um de seus fundadores

SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

ALESSANDRA KORMANN
DA AGÊNCIA FOLHA

A facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) matou ontem um de seus fundadores e principais líderes -Misael Aparecido da Silva, 41, o Misa. A autoria do crime foi confirmada por um porta-voz da facção e pelo governo de São Paulo, segundo o qual os autores do assassinato são mesmo integrantes do PCC.
É o segundo fundador da organização morto por seus membros nos últimos meses. Em julho, eles mataram Idemir Carlos Ambrósio, 41, o Sombra, um dos criadores do "partido do crime" e mentor da maior rebelião em cadeias do país, ocorrida há um ano em 29 cadeias de São Paulo.
Misa não foi ativo na megarrebelião paulista. Na ocasião, estava em Piraquara (PR), onde quatro meses depois integraria o comando do maior motim da história do sistema local, que terminou após 143 horas e quatro mortos.
Em seguida, foi para São Paulo. Em 21 de dezembro, para a Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Ferreira, a P-2 de Presidente Venceslau (620 km de SP), onde foi assassinado ontem.
A morte de Misa é a 18ª registrada em menos de 72 horas em dez penitenciárias do Estado. Pelo menos 13 dessas mortes foram resultado de disputas internas do PCC ou de confrontos de membros da facção com rivais.

Pego de surpresa
Misa foi morto às 8h25, durante o banho de sol, no pátio da penitenciária. Cinco presos aproximaram-se dele pelas costas, passaram um cordão pelo seu pescoço e o derrubaram no chão.
Em seguida, bateram em sua cabeça repetidas vezes com um rodo até matá-lo por traumatismo craniano e estrangulamento.
Apenas um dos integrantes do grupo, Ricardo Alexandre Lúcio, assumiu o crime. Ele e os outros quatro presos -José Fernandes Ferreira, Fábio Ricardo Querino, Arilson Silva Souza e Robson Luiz Gonçalves- foram isolados dos demais. A ação dos quatro teria sido vista por agentes carcerários.
Segundo o diretor da penitenciária, Osny Carlos Screpanti, um inquérito e uma sindicância administrativa foram abertos para apurar o crime. Ele afirma que os funcionários que presenciaram a cena nada puderam fazer "porque eram três contra 125 presos".
A P-2 de Presidente Venceslau, cuja última rebelião ocorreu em 1999, é uma das unidades que menos têm membros do PCC no Estado de São Paulo. Na megarrebelião ela não se juntou às quase três dezenas de cadeias rebeldes.

Ordem de cima
A morte de Misa, de acordo com um porta-voz do PCC -solto e que pediu para não ser identificado- foi determinada por seus pares: outros fundadores da facção. A ordem teria sido dada há cerca de 15 dias a partir do Rio de Janeiro, onde estão detidos José Márcio Felício, o Geleião, e César Augusto Roris da Silva, o Cesinha.
Só não teria sido executada antes porque Misa estava em RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) -isolado-, o que é confirmado pelo governo.
Com a determinação, sempre de acordo com o porta-voz do PCC, teriam concordado outros dois presos que estão ganhando força na facção: José Eduardo Moura da Silva, o Bandejão (preso em Mato Grosso do Sul), e Júlio César Guedes Moraes, o Julinho (preso na Bahia). O motivo: disputa por poder na organização.
Cálculos de advogados do PCC indicam que Geleião tem cerca de 30 mil comandados diretos -dentro e fora das cadeias. Cesinha e Misa, outros 20 mil cada. Misa e seus homens estariam fazendo ações à revelia dos demais líderes e de seus grupos. O porta-voz não disse que ações seriam.

Disputa ou desordem
A informação do porta-voz do PCC encontra amparo no estatuto da facção criminosa e na opinião de algumas autoridades.
Pelo estatuto do PCC, traição de poder e dinheiro podem ser punidas com morte. "E ela só pode ser decretada pelos fundadores e alguns poucos líderes", confirmou Anselmo Neves Maia, um dos advogados dos acusados e da vítima.
"Para mandar matar o Misa, tem de ser "general", tem de ter condições morais e aval dos demais. A morte não é liberada como se imagina. É sempre muito discutida, avaliada", continuou, afirmando que procurará os líderes da facção para saber exatamente o que aconteceu.
Uma disputa por poder. É também no que acredita o promotor de execuções penais Mário Coimbra, do Ministério Público de Presidente Prudente, que deve ir hoje à cidade. "Desconfio que tenha sido briga por liderança dentro da organização, em decorrência das mortes de ontem [anteontem"."
Mas o também promotor Roberto Porto, que investiga a facção na capital, levanta mais uma hipótese. "Pode ser disputa e acerto de contas, mas pode também ser descontrole. Os fundadores podem estar perdendo espaço para outras lideranças."


Colaborou o "Agora"

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