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MORTE ADENTRO
Débora Diniz, que leciona bioética na UnB, diz que apressar morte é um direito individual do paciente
Para professora, eutanásia é solidariedade
DA SUCURSAL DO RIO
A eutanásia, além de ser um direito individual do paciente, pode
ser encarado como um gesto de
solidariedade do médico.
Essa é a opinião da antropóloga
Débora Diniz, 34, professora de
bioética da UnB (Universidade de
Brasília).
Na avaliação dela, durante todo
o ciclo da vida estamos "medicalizando" a morte, mas há momentos em que há um exagero nessa
"medicalização".
A seguir, trechos de sua entrevista à Folha.
(ANTÔNIO GOIS)
Folha - A senhora defende o direito individual à morte, como em
casos de eutanásia, e ao aborto, como no caso de fetos sem cérebro.
Como tem sido a reação a propostas tão polêmicas?
Débora Diniz - Sou a favor da expansão das liberdades individuais. No campo do aborto, sob a
perspectiva dos direitos individuais, alguns defendem a existência de um choque de interesses
entre a autonomia reprodutiva
das mulheres e um direito inalienável do feto à vida.
No caso da eutanásia, esse suposto conflito de interesses inexiste, uma vez que a decisão sobre
a morte é um ato estritamente individual.
Folha - Mas a senhora não acha
que existiria um conflito, pelo menos ético, a respeito da responsabilidade do médico? Muitos profissionais podem argumentar que juraram lutar sempre pela vida.
Diniz - Esse conflito ético realmente pode existir, mas a eutanásia, em casos em que a pessoa está
sofrendo e não há chance de reversão do quadro, pode ser encarada também como um gesto de
solidariedade do médico com seu
paciente.
É óbvio que ninguém está defendendo que um médico ou enfermeiro, por sua própria vontade, desligue os aparelhos de um
paciente sem consultá-lo ou discutir o assunto com a família. Isso
é homicídio.
Folha - Na sua opinião, por que
para as pessoas é tão difícil falar da
morte?
Diniz - Porque esse é um tema
tabu. O que acontece é que o termo eutanásia é carregado de forte
conotação negativa, como algo
que lembra práticas nazistas. Mas
em qualquer UTI do Brasil esse é
um tema discutido em outros termos. Fala-se em deixar a vida seguir seu curso ou a morte correr
naturalmente.
Quando pensamos a eutanásia
dentro de um contexto de liberdade, essa é uma decisão sobre seu
próprio corpo. Não estamos falando jamais de práticas de extermínio indesejado.
A discussão deve se pautar sobre pessoas capazes de ponderar
sobre sua própria existência, mas
há uma tendência a se pensar
sempre questões como as do
aborto e da eutanásia como uma
relação em que um é o assassino e
o outro é a vítima indefesa.
Folha - Jovens com depressão podem querer se suicidar, mas muitos
se arrependem de ter cogitado isso
depois de superada essa fase. Como lidar com a eutanásia nesses casos?
Diniz - Um jovem que está em
tratamento de depressão e uma
pessoa vivendo em estágio irreversivelmente vegetativo são casos diferentes.
Do ponto de vista moral, é mais
fácil começar esse debate a partir
de casos em que a morte é inevitável. A religião católica, por exemplo, consegue enfrentar melhor o
debate da eutanásia passiva do
que o do aborto, já que, nesse primeiro caso, há a idéia de que estamos lutando contra um curso já
predeterminado por Deus.
Mas isso não pode ser aplicado
indiscriminadamente. Se formos
levar ao pé da letra esse argumento de que devemos deixar a vida
seguir seu curso, morreríamos todos na primeira pneumonia. Estamos, o tempo todo, medicalizando a morte, mas em determinados momentos há um exagero
dessa medicalização.
Folha - E como lidar com o arrependimento depois?
Diniz - O arrependimento só é
possível depois de ter vivido uma
situação. É preciso experimentar
para conhecer nossas reações. Pode haver o arrependimento tanto
por ter obrigado alguém a ficar vivo quanto por ter deixado morrer. As pessoas se arrependem
quando cometem atos que consideram imorais, mas não há uma
regra sobre o que seja moral ou
imoral em todos os casos. Por isso, essa é uma decisão que cabe a
cada pessoa, e não ao Estado.
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