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"MENINA DE OURO"
Mulheres lutam contra a resistência familiar, o preconceito e a falta de dinheiro para praticar o esporte
Brasileiras enfrentam preconceito pelo boxe
DÉBORA YURI
DA REVISTA
"Quando eu tinha dez anos, pedi ao meu pai uma luva de boxe.
Ele me deu uma surra e uma Barbie", conta a pugilista Tatiana Cozaciski, 24, a Lalla, o corpo coberto por 39 tatuagens que da imagem vão do Sagrado Coração de
Maria à gatinha meiga Hello
Kitty. Para pagar a passagem de
ônibus e continuar treinando, faz
bicos como segurança de casa noturna. Os pais, um mecânico e
uma dona-de-casa, ainda condenam a paixão da filha pelo ringue.
A violência fez do boxe um
campeão em despertar repulsa, e
o desconforto costuma aumentar
quando a luta envolve duas mulheres. Além de oferecer zero de
glamour e dinheiro, o esporte (esporte?) em questão costuma deixar marcas como hematomas, cicatrizes e ossos quebrados.
Num país em que o futebol é tudo, mas as mulheres que o praticam ainda recebem risadinhas de
escárnio, o que dizer de meninas
com luva e capacete?
Responde a advogada Carolina
Marques Barge Capecce, 40, mãe
de Loren, 16, que pratica a luta há
um ano e meio: "No começo, foi
um sufoco. É duro ver sua filha
chegando em casa com o olhinho
roxo, o nariz sangrando."
Loren mora com os pais na Vila
Clementino (zona sul), cursa o segundo ano do ensino médio e faz
planos de ser bióloga. Começou a
treinar boxe porque um problema na perna impediu que seguisse jogando handebol. Tomou gosto e agora se prepara para a seletiva do Pan-Americano de Buenos
Aires, em março.
"Eu me apaixonei pelo boxe, é
muita adrenalina. Mas já apanhei
muito. O nariz, ainda não quebrei", diz a lutadora. A adolescente se define como "peso galo" (até
54 kg), embora não existam mais
nomes para as categorias no pugilismo feminino.
Enquanto o boxe masculino
rende contratos milionários, publicidade, transmissões campeãs
de audiência na TV e pencas de
heróis e anti-heróis, o feminino,
praticado há menos tempo, acostumou-se a ser deixado em segundo plano.
Neste ano, porém, as obscuras
boxeadoras ganharam os holofotes graças a um filme indicado a
sete Oscar, um dos favoritos na
cerimônia que acontece no próximo domingo.
"Menina de Ouro" traz Hilary
Swank, a caminho de ganhar sua
segunda estatueta de melhor atriz,
como Maggie Fitzgerald, garçonete pobre e solitária que tem no
boxe seu único sonho. Indicado
como melhor ator e diretor, Clint
Eastwood é o técnico amargurado
que, sob protestos, aceita ser seu
treinador.
Nos EUA, maior centro do boxe
profissional e grande potência do
esporte, o pugilismo feminino vez
ou outra dá lampejos de sair do
ostracismo: o país tem algumas
estrelas com nome e, principalmente, sobrenome (leia texto ao
lado). No Brasil, ele é ainda incipiente. As atletas têm pouco
apoio, dificilmente arrumam patrocinadores, e as lutas não dão
retorno financeiro.
Razões
Apesar de muitos contras e poucos prós, há cada vez mais mulheres pugilistas no país -e ninguém sabe explicar por quê. "Nos
últimos dois anos, o número de
boxeadoras competitivas quase
triplicou. No Campeonato Brasileiro de 2002, o primeiro, havia
pouco mais de cem. Hoje, são
quase 500", diz Luiz Claudio Boselli, presidente da Confederação
Brasileira de Boxe.
O perfil básico das praticantes:
estudante do ensino médio, de
classe social baixa, que enfrenta
resistência da família no começo.
"Nas academias de elite, o boxe
recreativo tem feito sucesso porque melhora o condicionamento
físico e alivia o estresse, mas o boxe carrega o estigma de ser violento, e a mulher ainda é vista como
sexo frágil", diz Maria Aparecida
de Oliveira, 48, presidente da Federação de Boxe do Estado de São
Paulo e ex-diretora de boxe feminino da confederação.
"Luto para ter uma renda melhor e ajudar a minha família. Não
sonho com fama, mas com uma
vida melhor", explica Ana Paula
Lúcio dos Santos, 28, reputada como a melhor lutadora do Brasil,
medalha de bronze no Mundial
da Turquia, em 2002.
Arranjar técnico também pode
ser difícil. A ex-modelo Adriana
Salles, 35, uma das poucas boxeadoras profissionais do Brasil (calcula-se que existam menos de
dez), lembra que, como a protagonista do filme de Clint Eastwood, "ralou" para arrumar um.
"Chorei muito no cinema, me vi
na tela. Eu procurava treinador
em academia e nenhum olhava na
minha cara. Diziam: "Não treino
mulher, muito menos modelo".
Até que um me falou: "Menina,
vou ter que te ensinar a bater e
não apanhar'", conta.
Adriana está na faixa das atletas
mais maduras, assim como a boxeadora amadora Duda Jankovich, 28, que nasceu na Iugoslávia
e mora no Brasil há cinco anos.
"Na primeira vez, apanhei feito
um cão, mas nem por isso desanimei. Hoje sou boa naquilo que faço. Não sei cozinhar, mas luto
bem. Mas uma coisa eu aprendi
com o boxe: Nunca dê as costas a
um adversário".
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