São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2011

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GILBERTO DIMENSTEIN

A receita de sucesso


Edward Glaeser, badalado professor de Harvard, faz sugestões que arrepiariam a maioria dos urbanistas


IMAGINE NUNCA MAIS PRECISAR chamar a atenção do garçom para ser atendido num restaurante lotado, bastando digitar pelo celular o pedido. A novidade vem sendo testada num restaurante habitualmente povoado por apressados professores e universitários de Harvard.
Os responsáveis pelo desenvolvimento do software conhecem bem a clientela: eles próprios estão entre aqueles apressados. Acabaram de criar uma pequena empresa, chamada Text My Food, para vender o serviço. A invenção virou um dos assuntos mais comentados aqui em Harvard na semana passada por se tornar notícia em toda a região de Boston, o que significa que, em pouco tempo, talvez esteja aí no Brasil.
A poucos metros do restaurante, foi lançado, na quarta-feira, um provocativo e extremamente saboroso estudo intitulado "O Triunfo das Cidades", escrito por Edward Glaeser, badalado professor de economia de Harvard. O estudo é recheado de exemplos que mostram como as cidades prosperam ou desabam. Publicações de prestígio, como "The New York Times" e "The Economist", já apresentaram críticas elogiosas ao livro.
Edward Glaeser adora peregrinar pelas cidades do planeta, entre as quais São Paulo, para investigar seu funcionamento. Com base nisso, faz sugestões que fariam arrepiar a maioria dos urbanistas. Sugere que os prefeitos se esforcem ao máximo para deixar subir imensos prédios, mesmo que, eventualmente, sacrifiquem paisagens reverenciadas pela população. Por atrair muita gente inventiva, a cidade fica mais interessante, logo mais cara. Isso significa que, mais cedo ou mais tarde, ficaria difícil o acesso para gente jovem, talentosa e disposta a produzir novidades. É o risco que correm Nova York e Londres, por exemplo.
Mais uma ideia provocativa: não é a cidade que produz os pobres, mas os pobres que a procuram. É onde se vive, segundo ele, melhor, inclusive quando se está na favela, comparando-se com a escassez de possibilidades do campo.
Nascido em Nova York, Glaeser mora e trabalha num ótimo laboratório para testar suas teses. Por ser um local com muitas universidades, centro de pesquisas e empresas de ponta, a região de Boston (onde, aliás, surgiu a primeira escola pública dos Estados Unidos) pouco sentiu a crise econômica que devastou o país. Simplesmente porque, nas garagens e nos dormitórios de universitários, prosperam todos os dias jovens como os criadores de novidades como o Text My Food.
Nestes dias por aqui há um orgulho especial por causa de uma ideia nascida coletivamente nos dormitórios -tão coletivamente que há brigas milionárias na Justiça em torno da sua autoria. Atribuiu-se em parte ao Facebook a capacidade dos jovens de furar bloqueios e de se organizar para derrubar os regimes fechados do Oriente Médio.
O poder da inteligência artificial ganhou destaque mundial na semana passada por causa de um jogo de perguntas e respostas, conhecido na televisão americana, que opõe um veterano vitorioso a um computador, batizado de Watson -os humanos perderam. Uma empresa de alta tecnologia se prepara para fazer do Watson um médico, capaz de dar diagnósticos diante das perguntas de pacientes. A inteligência artificial não substitui, no entanto, o poder das cidades, na visão de Glaeser.
"Não adianta haver apenas contatos virtuais. Até que se invente algum novo programa, o único jeito de se resolverem desafios complexos é a proximidade física. É por isso que tantos talentos preferem morar em São Paulo, mesmo com toda a poluição, as enchentes e a violência. É um lugar cheio de energia e com uma mentalidade empreendedora. É definitivamente um dos motores não só do Brasil mas do mundo todo. Se você for brasileiro e precisar ter um diálogo global, certamente terá de ter pelo menos um pé na cidade", disse-me Glaeser.
Naquele exato dia, aliás, estavam na minha cabeça as imagens que vi na internet das enchentes em São Paulo, a começar da minha Vila Madalena. "O perigo da baixa qualidade de vida (o alto índice de crimes, o trânsito, a poluição) e do alto preço dos imóveis é afastar os jovens talentos", afirma.
Os melhores investimentos que uma cidade pode receber para prosperar, como mostram os casos do livro, não são os de infraestrutura, que rendem tantos votos, mas tudo o que se faz para desenvolver os talentos dos habitantes, a começar de um ensino público decente.

PS- A lição prática do livro de Glaeser: um bom prefeito de São Paulo tem de investir na economia criativa, com estímulos fiscais, empréstimos, incubadoras, polos tecnológicos ligados a empresas e centros de pesquisa. É muito pouco dinheiro para um retorno gigantesco. Nunca vamos ser uma cidade nem bonita nem agradável, mas podemos ser cada vez mais interessantes.

gdimen@uol.com.br


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