São Paulo, sábado, 20 de maio de 2000


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LETRAS JURÍDICAS

Globalização e teoria dos quanta na Febem

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O jurista brasileiro que, em primeiro lugar, ligou a teoria quântica ao direito foi Goffredo Telles Jr. há quase trinta anos. Em língua portuguesa, não há outro que tenha incursionado pela física com tanta densidade quanto Goffredo, em seu "Direito Quântico", publicado originalmente em 1971 pela Max Limonad, com sucessivas edições. Lembrei-me do livro lendo um título no Cotidiano desta Folha, quinta-feira, sobre a missão da ONU que vem investigar maus-tratos na Febem. Explico adiante o porquê da lembrança.
Faço, antes, breve incursão sobre Max Planck e os quanta. Conto o essencial. O grego Demócrito criou, há quase 25 séculos, a palavra átomo, significando o não-divisível, mas coube a Planck, em 1900, comprovar que a vibração do átomo irradia energia em, digamos, pedaços variáveis, aos quais ele denominou quanta. Com a descoberta de Einstein, a contar de teses ou demonstrações de diversos cientistas, mas trazendo Young e Hertz (o das ondas hertzianas) entre os predecessores, constatou-se que a luz é, ao mesmo tempo, composta por partículas e por ondas, em um absurdo lógico para a ciência clássica. Para terminar esta introdução, hoje se sabe que o átomo é composto por vários tipos de partícula, assim como a luz.
E o direito, o que tem com isso? O direito também é composto por partes. Como genérico fenômeno social e cultural, é a instituição reguladora das relações da vida em grupo, independentemente do grau de civilização deste. A menor partícula da teoria do social no direito é o ato ou fato humano, por ação ou omissão juridicamente relevante. Assim como aconteceu com a física dividindo o átomo, o direito passou pela mesma pluripartição neste século, a contar do objeto e das funções de cada parte. Contudo sua última razão é o ser humano -no existir, no fazer e no não-fazer.
As duas divisões mais gerais (direitos público e privado), compostas pela ciência jurídica, serviram para pouca coisa. Logo se percebeu a necessidade de subdividi-las. Surgiram ramos como o direito constitucional e o administrativo, no lado do direito público, e os direitos civil e comercial, por exemplo, no lado do direito privado. Mas não foi só. Detectou-se a necessidade de compor novos sub-ramos, dividindo segmentos existentes ou criando outros, antes insuspeitados. Todos compõem o Direito (com maiúscula).
Assim como Planck começou a definir na teoria dos quanta e Einstein demonstrou com os fótons (partículas da luz), o direito é partícula e é onda. As influências decorrentes de sua inserção no social se estendem como em ondas, sobre todo o universo das relações humanas. Talvez seja por isso que os países ricos queiram afirmar o direito globalizado, com a extinção do conceito de soberania. Talvez a onda de dominação tenha inspirado a ONU a procurar saber de maus-tratos na Febem de São Paulo, como se não houvesse nada mais para cuidar no planeta Terra. Aprendi, porém, com Goffredo que a ciência do direito não prediz como os seres humanos, individualmente ou em grupo, irão proceder ou agir, mas estima que tais seres ou grupos mais provavelmente se comportarão de uma certa maneira. Com base nessa probabilidade, adivinho que a globalizante onda de dominação total, hoje intentada, seria declarada inviável por Planck e Einstein e será, de fato, impossível de efetivar, até porque, para voltar ao começo, os maus-tratos na Febem não serão resolvidos pela ONU, enquanto nós mesmos, brasileiros e paulistas, não tomarmos consciência deles e encararmos os problemas que levam menores àquela instituição.


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