São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 2002

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PROSTITUIÇÃO

Crime organizado utiliza 131 rotas terrestres, marítimas e aéreas para traficar mulheres para fora do Brasil

Pesquisa mapeia exploração sexual no país

Fotos Husdon Fonseca/Folha Imagem
C.R.S., 17, dança na boate Nu Cats, em Manaus, antes de uma blitz


MAURO ALBANO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

O crime organizado utiliza pelo menos 131 rotas terrestres, marítimas ou aéreas para traficar mulheres e adolescentes brasileiras para o mercado da prostituição em países estrangeiros.
Outras 109 rotas são usadas para transportá-las entre municípios e Estados brasileiros -caracterizando o tráfico interno de mulheres, crime que nem sequer está tipificado no Código Penal.
A conclusão é da mais ampla pesquisa já produzida sobre o tema no país, a Pestraf (Pesquisa Sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes Para Fins de Exploração Sexual).
Esse levantamento foi realizado por um "pool" de ONGs (organizações não-governamentais) sob a coordenação do Cecria (Centro de Referência, Estudos e Ações sobre a Criança e Adolescente), de Brasília.
"É um mapeamento de como funcionam as redes de tráfico de mulheres no país. Mostra que o Brasil é um dos maiores exportadores de pessoas para o mercado de sexo no mundo", diz Maria Lúcia Leal, coordenadora técnica do estudo e professora da UnB (Universidade de Brasília).

Financiamento
Entre os financiadores da pesquisa estão a OEA (Organização dos Estados Americanos), a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a WCF (World Childhood Foundation) e o Ministério da Justiça.
Os cerca de 130 pesquisadores envolvidos no trabalho localizaram, em 20 Estados brasileiros, registros de 81 inquéritos policiais e 75 ações penais sobre o crime de tráfico internacional de mulheres.
O levantamento foi baseado em dados registrados de 1996 a 2002.
Entre os esquemas identificados, a Espanha é o principal destino: 32 rotas. Holanda (11 rotas), Venezuela (10), Itália (9), Portugal (8), Paraguai (7) e Suíça (6) também são destinos frequentes.
Entrevistas com as vítimas do tráfico indicam que as adolescentes e mulheres são recrutadas pelos aliciadores -geralmente brasileiros (67,8%)- com promessas de uma vida melhor no exterior, trabalhando como dançarinas ou empregadas domésticas.
Mesmo as que têm consciência de estar embarcando para se prostituir são surpreendidas pelas condições impostas nos prostíbulos estrangeiros: maus-tratos, endividamento, coação e cárcere privado foram algumas das situações relatadas aos pesquisadores.
A única rota usada para transportar crianças identificada é a de Oiapoque (AP) a Caiena, na Guiana Francesa.
Segundo a pesquisa, crianças e adolescentes são levadas de táxi pela BR-210 para se prostituir na capital do país vizinho.

Campeã de rotas
A região Norte é a que registra o maior número de rotas: são 76 (31 internacionais, 36 interestaduais e nove intermunicipais).
Em seguida aparecem as regiões Nordeste (69 rotas), Sudeste (35), Centro-Oeste (33) e Sul (28).
"Notamos que o movimento das garotas é sempre do interior para cidades estratégicas, geralmente de porte médio, que contam com rodovias, hidrovias e aeroportos", diz Maria Lúcia Leal.
O aeroporto Eduardo Gomes, de Manaus (AM), é usado para levar mulheres -adultas e adolescentes- para a Guiana Francesa, Suriname e Holanda.
O aeroporto Guararapes, de Recife (PE), é ponto de saída de mulheres para a Europa. E em Cumbica, em Guarulhos (SP), foram registrados embarques de garotas aliciadas para Taiwan e Hong Kong, na China.
O Estado em que o tráfico de menores é mais visível, de acordo com os dados da pesquisa, é Goiás. São 28 inquéritos na Polícia Federal, um na Procuradoria da República e cinco na Justiça Federal.
Em 2001, a Polícia Federal prendeu em seis Estados 20 pessoas que faziam parte de uma quadrilha acusada de ter enviado, de Goiânia (GO), cerca de cem mulheres na faixa de 25 anos para a Espanha num período de um ano.
"A importância que Goiás tem como rota do tráfico deve estar ligada ao trabalho de alguma pessoa ou organização que iniciou esse processo. Mas ainda não elucidamos isso", afirma o delegado Rogério Sales, chefe da Divisão de Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras da Polícia Federal.
Segundo Sales, as redes internacionais do tráfico de seres humanos estão relacionadas ao tráfico de drogas e de armas.
"É um negócio muito lucrativo, ligado também ao jogo e à lavagem de dinheiro. A ONU e a Interpol estimam que movimente cerca de US$ 10 bilhões por ano", diz o delegado.
A Pestraf aponta ainda a necessidade de reformular a legislação. O artigo 231 do Código Penal, que trata do tráfico de pessoas, contempla apenas casos em que a mulher é traficada para o exterior -e não para municípios ou Estados dentro do território nacional.
Inquéritos policiais, denúncias em ONGs, registros em órgãos governamentais, entrevistas com vítimas e notícias veiculadas na mídia indicam, no entanto, que o tráfico interno é praticado no Brasil com a mesma intensidade do tráfico internacional.
"Muitos casos de tráfico interno de mulheres e adolescentes estão camuflados por outros indicadores, como rapto, sedução ou lenocínio [crime contra os costumes, caracterizado sobretudo pelo fato de se prestar assistência à libidinagem alheia, ou dela se tirar proveito"", afirma Waderlino Nogueira Neto, consultor jurídico da pesquisa.
Segundo ele, é preciso acabar com a distinção entre tráfico interno e externo. "A indução à prostituição, por exemplo, prevê pena de um a três anos de reclusão. A mesma conduta, quando ultrapassa as fronteiras, recebe pena de quatro a dez anos."



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