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Menor consegue identidade falsa em 1 dia
KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS
Anteontem à noite, C.S.R.,17,
dançava na passarela do sexo da
boate Nu Cats, na zona portuária
de Manaus, para atrair clientes
para fazer programa, sem saber
que sua performance era observada pela delegada Graça Silva, que
fazia mais uma blitz como parte
das investigações do combate ao
esquema internacional de prostituição infantil.
O esquema utiliza a rodovia federal BR-174, que liga Manaus
(AM) a Boa Vista (RR), e tem como destino cidades fronteiriças
da Guiana e Venezuela.
Nos últimos três meses de investigação, nove pessoas foram
indiciadas por favorecimento à
prostituição nas delegacias de
Manaus e Boa Vista.
Foram tomados depoimentos
de mais 40 mulheres -sendo 32
menores- aliciadas pela rede,
que oferece como atrativo programas pagos em dólar.
É em boates como a Nu Cats que
as adolescentes são aliciadas para
o esquema, segundo a investigação. Os aliciadores estão ainda na
porta das escolas, nos bares e nos
shoppings. "Faço isso [dança e
programa" porque não tem outra
opção", disse C., que não portava
documentos.
No carro da polícia já estavam
outras três garotas: D.F.S., 12,
F.R.O., 17, e V.L.S., 15, resgatadas
na casa do desempregado Cláudio de Oliveira Silva, 37, indiciado
ontem por favorecimento à prostituição infantil. "Ele paga pelo
programa R$ 20", disse V. Silva,
D. e F. negaram o crime.
Apesar das pressões, a polícia
investiga o poder paralelo que facilita o esquema internacional de
prostituição infantil.
O esquema é formado por advogados, empresários, policiais,
políticos e funcionários do Poder
Judiciário. As adolescentes conseguem identidades falsas em menos de 24 horas.
E.B.B., 14, resgatada também na
boate Nu Cats, em maio, pagou
R$ 100 por uma carteira de identidade que lhe atribuía 19 anos de
idade. I.R.S., 17, pagou R$ 200 para conseguir o documento e viajar
para a Venezuela e para a Guiana.
Depois de revelar o esquema de
Boa Vista à polícia, I., sua irmã
A.R.S.,16, e a amiga R.S., 16, dizem
estar ameaçadas de morte.
O coordenador do Conselho
Tutelar de Boa Vista, Jorge da Silva, também sofre ameaças.
"São ameaças por conta do meu
trabalho, mas vou continuar denunciando", afirmou.
A delegada Graça Silva não cita
as pressões que sofre, mas reconhece a influência do poder paralelo. "Existe uma cobertura por cima, que são os clientes, pessoas
influentes. Um desempregado
não pode pagar um programa em
dólar, isso é o retrato da impunidade", disse.
Impunidade é a palavra usada
também pelo deputado Orlando
Fantazini (PT-SP), presidente Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados, que investiga o esquema de exploração
sexual infantil.
"Se nós não acabarmos com esse clima de impunidade para um
setor da sociedade, não vamos alterar esse quadro. Vamos continuar fazendo estatísticas, diagnósticos, criando força-tarefa, e as
mulheres e crianças continuarão
sendo vitimadas pelo crime organizado", disse Fantazini. "É preciso vontade política, principalmente do governo federal, ou não
teremos soluções."
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