São Paulo, terça-feira, 20 de junho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARIA INÊS DOLCI

Vôo cego

A Varig, portanto, é muito mais para o Brasil do que uma companhia aérea. Foi um orgulho para os brasileiros

A CRISE da Varig, certamente, já recebeu todo o tipo de análise, crítica, manifesto de apoio etc. Não é para menos. Trata-se de uma companhia aérea que, em maio último, completou 79 anos. Que criou um padrão internacional de qualidade em termos de segurança, serviços e respeitabilidade para passageiros brasileiros, em rotas domésticas e internacionais. E para turistas e executivos estrangeiros, em direção ao Brasil.
A Varig, portanto, é muito mais para o Brasil do que uma companhia aérea. Foi, durante muito tempo, até recentemente, digamos, um orgulho para os brasileiros, como outros que reduzem os efeitos de nossa baixa auto-estima como nação -Embraer e Petrobras, principalmente.
Os maiores e mais ricos países do mundo não costumam ter diversas companhias aéreas fortes, com linhas internacionais. O motivo é simples: é muito caro decolar um avião, pelo que representa em tecnologia, aeronaves caríssimas, combustível, equipe de bordo, técnicos da retaguarda, lojas, hangares etc.
Após o 11 de setembro de 2001, quando as duas torres gêmeas do World Trade Center foram destruídas por ataques terroristas que utilizaram aviões, fazer decolar uma aeronave se tornou mais complexo, mais caro, mais difícil.
Empresas de aviação comercial de países importantes não costumam sofrer com súbitas e abruptas oscilações cambiais, como ocorreu no Brasil tantas vezes -uma das mais nocivas ocorreu em janeiro de 1999, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Nem com congelamentos parciais ou totais de preços, como já sofremos tantas vezes por aqui.
Quem lê a cronologia dessa crise percebe que, em 1986, o Plano Cruzado congelou as tarifas aéreas, embora com custos crescentes. Tanto que, em maio último, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão da 1ª Turma do STJ, que condenou o governo a indenizar a Varig em R$ 3 bilhões. Essa indenização foi pedida em função dos efeitos de controle tarifário entre 1985 e 2002.
Ora, se a Varig deve quase R$ 8 bilhões (valor estimado), parte disso ao governo, o mínimo que se poderia esperar, caso houvesse algum interesse em preservar a Varig, seria um encontro de contas. Fica claro, portanto, que, apesar das afirmações oficiais do governo federal de que tentaria ajudar a Varig, isso não é verdade.
Seja qual for a saída para essa situação, o Brasil já perdeu. Os danos à reputação da Varig são imensos, mundialmente, com a divulgação da triste novela sobre a agonia da companhia aérea. Perdemos nós, passageiros brasileiros, pois a Varig sempre foi um padrão de segurança que, sem dúvida, balizava o mercado aéreo nacional. Além dos que tiveram vôos cancelados e os que acumulam milhagem com destino incerto.
Perderam os empregados da Varig, tanto os já desempregados, quanto aqueles que sofrem, dia e noite, com o peso desse drama, e ameaça do desemprego. E perde o país, pois há um cheiro de pouco caso, de tanto faz, de parte de quem comanda os destinos do Brasil.
Uma sucessão de erros inflou essa crise mais rapidamente do que as próprias dificuldades financeiras. Erros de todos os envolvidos, não há dúvida. É triste ver como isso acontece no Brasil, com uma empresa desse porte, dessa tradição, dessa importância.


NA INTERNET
http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br



Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Consumo: Assinante diz que ficou mais de 1 mês sem receber revista
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.