UOL


São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

Próximo Texto | Índice

MULHERES NO COMANDO

Em São Paulo, quatro tenentes-coronéis vencem barreiras e quebram a hegemonia masculina à frente de batalhões da corporação

O poder feminino na Polícia Militar

ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

"A senhora é a nova comandante do batalhão?", pergunta um antigo sargento da unidade, curioso com a presença, no quartel, de uma mulher com três estrelas de tenente-coronel nos ombros -a penúltima patente na carreira da Polícia Militar. "Sou sim. Por quê?", diz a oficial. "Nossa, em 20 anos de polícia eu nunca tinha visto uma mulher comandando um batalhão."
Na parede do gabinete, a causa do espanto: 25 quadros com os rostos de ex-comandantes, todos homens, presenciavam a cena. No centro das atenções, a tenente-coronel Ângela Di Márzio Godoy Vasconcelos, 40, a 26ª oficial à frente do 13º BPM (na região central da capital), e a primeira mulher no cargo em três décadas.
A coronel Ângela, como a chamam na PM, é de uma geração de oficiais que nos últimos três anos começou a escrever uma nova página sobre a participação feminina na corporação: nunca tantas mulheres estiveram à frente de tantos batalhões de área como neste ano, cuidando do policiamento ostensivo e preventivo em todas as suas modalidades.
Dos 83 batalhões de área, elas lideram homens e mulheres em quatro -um a mais do que no ano passado. Além do 13º BPM, comandam hoje o 30º BPM (Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), o 34º BPM (Centro de SP) e o 23º BPM (Pinheiros).
Há 48 anos, quando da criação do corpo de policiamento feminino em São Paulo -o primeiro no país-, parecia impossível atingir tal posição. Havia apenas 13 policiais femininas no Estado em 1955, que atuavam mais como assistentes sociais do que no combate a criminosos.

Avanços
De lá pra cá, muita coisa mudou. Hoje, elas estão em todas as unidades da PM e em número recorde: são cerca de 8.200, o equivalente a 9% do efetivo total da corporação (91 mil). "O espaço foi conquistado aos poucos, à medida em que [o policiamento feminino] ia mostrando dar certo", diz a tenente-coronel Marly Moreno, 42, comandante do 23º BPM desde abril.
Para ilustrar, a coronel conta uma história. Aconteceu no início dos anos 90, quando as PMs começaram a patrulhar a capital de carro. Em regra, elas deveriam cuidar apenas de ocorrências selecionadas pelo Copom (Centro de Operações da PM), mais brandas, liberando os homens para casos graves. Na prática, porém, começaram a atender o que aparecia pela frente.
Certo dia, duas PMs encontraram um homem cuja moto havia sido roubada. Na delegacia, mais tarde, a vítima disse à coronel Marly, que apoiou a ação: "Quando elas [PMs] chegaram, pensei: De que me adianta ter chamado a polícia se me mandaram duas mulheres?"
O tom não era de queixa, mas de surpresa. Depois de pegar as características do ladrão, as policiais o prenderam perto dali.

Última barreira
Avanços à parte, o processo de abertura ainda não está completo: por lei, elas ainda não podem chegar ao posto de comandante-geral. Até dois anos atrás, quando havia um regimento disciplinar distinto, as mulheres PMs não podiam fumar fardadas, diferentemente dos homens. Hoje, o código de conduta está unificado.
Enquanto as portas não se abrem completamente, elas continuam a registrar avanços simbólicos. Das quatro atuais comandantes, a tenente-coronel Fátima Ramos Dutra, 38, foi a primeira a fundar um batalhão (30º BPM), após a unificação dos efetivos femininos e masculinos, em 2000. Antes, as unidades eram separadas e atuavam paralelamente.
De fala tranquila e sotaque do interior, essa paulistana de 1,58 m de altura coordena diariamente o trabalho de 500 PMs em Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, na Grande São Paulo, onde vivem 570 mil pessoas. Neste mês, interinamente, ela está à frente do CPAM-6 (Comando de Policiamento de Área Metropolitano), responsável pelas cidades de Santo André, Diadema, São Bernardo, São Caetano e Santo André, além dos seus três municípios.
Fátima segue os passos da coronel Laudinéa Pessan de Oliveira, que em 2000 tornou-se a primeira a mulher, em 169 anos de história da PM, a chefiar um CPA, ao qual estão subordinados vários batalhões na zona sul da capital. A coronel ocupa atualmente a diretoria do Departamento de Assuntos Municipais e Comunitários.
A última comandante das quatro que coordenam batalhões operacionais é a tenente-coronel Virginia Maria Vilani Malone Ortega, 39, que assumiu em abril o 34º BPM. Está sob a responsabilidade dela o recém-criado policiamento nas cabines instaladas pela PM na avenida Paulista.
É a segunda passagem da coronel pela função. Em 2000, ela comandou por seis meses o 28º BPM (Guaianazes), na zona leste da capital, uma região problemática em relação à violência.

Próximo Texto: Danuza Leão: Cuidado com elas
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.