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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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DANUZA LEÃO

Cuidado com elas

Mulher é assim: tem dias que acorda impossível, precisando fazer alguma coisa, seja lá o que for, contanto que seja uma coisa bem radical.
As idéias mais loucas passam pela cabeça: ou compra um gato, ou pega o caderno dos classificados para procurar um apartamento e se mudar, ou inventa de fazer uma reforma no que mora (mas uma reforma bem grande, para enlouquecer bastante).
Pegar um avião para uma cidade desconhecida é uma hipótese, mas é pouco. Nesses dias, a vontade é virar a vida pelo avesso, e não dá para ter calma para tomar a decisão certa: tem que ser hoje. Hoje e, de preferência, agora.
Os gatos, é complicado: e quando resolver sumir por uma semana, faz o quê?
Depois de perguntar sutilmente à empregada "você já teve um gatinho?" e receber a resposta, curta e grossa, "odeio gato", essa possibilidade é resolvida por si só.
Trocar de casa é sempre bom, mas um processo que demora; talvez mudar de cidade, quem sabe de país. Não é uma idéia simples, mas é uma idéia, e o sonho ainda é livre.
Digamos que resolva se mudar para a Tunísia. Tudo maravilhoso; mas como se faz, num país estranho, para mandar ligar o gás e a eletricidade, como descobrir como se conectar pela internet, como encontrar o carpinteiro certo, o bombeiro certo, o técnico certo para ligar a televisão? Leva tempo para ter essas conexões, fundamentais para a segurança de qualquer ser humano que já passou dos 40 (mas tem cabeça de 16). Não, talvez não seja por aí.
Arrastar os móveis e trocar tudo de lugar pode ajudar; é uma solução amena, pois, se mudar de idéia, tem volta, só que para seu estado de espírito atual é pouco. Hoje é preciso uma atitude mais definitiva, que comprometa de tal maneira o presente e o futuro que, se houver um arrependimento, não haja volta. É disso que ela está precisando: de uma grande confusão na vida.
Por que as mulheres têm essa vocação para o drama? Por que às vezes precisam jogar -e jogam- tudo para o alto sem medir as consequências, para poderem chorar bastante depois, desesperadas e arrependidas?
Se tivesse um marido, armaria uma grande quizumba, uma cena de ciúmes, falaria de uma antiga paixão (com uma ameaça implícita), para ele sair de casa furioso; depois do alívio inicial, ficaria bem triste, choraria bastante, tomaria um tranquilizante, e, à noite, com o rabo entre as pernas, pediria para ele voltar.
Quem sabe dar uma festa só para solteiros? Pode pedir a cada amigo para levar uma garrafa de bebida e um outro amigo, e a cada mulher, o gelo e uma amiga, para que novos pares se formassem e, quem sabe, sobrasse alguém para ela. Um alguém de quem ela não soubesse nada, nem o nome, mas que fosse irresistível e que -isso faria parte do jogo- desaparecesse no dia seguinte para que ela ficasse irremediavelmente apaixonada, coisa que não acontece há muito tempo.
Ela sabe que é disso que está precisando: de se apaixonar, nem que seja pelo porteiro do prédio, para sentir que continua viva. Acontece que seu coração ficou frio, como disse Cartola -foi mesmo Cartola?-, e o último marido já se foi há muito tempo, aliás exatamente num dia como esse, quando acordou com a cachorra pela última vez.
Como já se conhece, sabe que esse é um bom sinal, que é nessa hora que as coisas acontecem, para o bem e para o mal, e que é muito melhor se sentir assim do que ficar inerte, numa semidepressão, pensando e não fazendo nada.
É nessas horas que a gente percebe que a vida vale a pena.

E-mail -danuza.leao@uol.com.br

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