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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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TRÂNSITO

Cidade paulista possui a maior proporção de veículos por habitante; dados econômicos contribuem para o índice

São Caetano do Sul, a terra do automóvel

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

Na casa do engenheiro Francisco Satkunas, 58, a média é de dois veículos para cada morador. Ele, a mulher e os dois filhos, todos se deslocam com um automóvel diferente. Satkunas ainda mantém quatro motocicletas na garagem para as horas de lazer.
Esse índice de motorização da família Satkunas tem relação com a profissão dele, diretor da General Motors -além disso, ele é ligado à SAE Brasil (Society of Automotive Engineers). Mas também se adapta à realidade de seus vizinhos. Eles vivem na cidade que pode ser considerada a capital brasileira do automóvel.
São Paulo pode ser recordista em congestionamento e ser conhecida mundialmente pelo seu tráfego estressante e pelas ruas entupidas, mas a maior proporção de veículos por habitante está em São Caetano do Sul, no ABC paulista, conforme cruzamento de estatísticas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e do Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito) realizado pela Folha.
A cidade tem 1,22 morador por veículo, segundo a base de dados do Detran-SP, ou 1,62, pela do Denatran -que abrange os registrados do Renavam, a certidão de nascimento dos veículos que estão em circulação no país (a principal diferença entre as duas é a contagem de veículos antigos, que não atualizaram as placas de duas letras, parte dos quais não roda mais). Se considerados somente os de quatro rodas voltados ao transporte de passageiros, esses índices são de 1,70 e 2,04, respectivamente. Nada que se distancie de Japão, Alemanha e Suécia.
O engenheiro Satkunas explica que a razão para cada um andar com um carro na família é a incompatibilidade de horários e de atividades. O filho e a filha estudam em faculdades diferentes de São Paulo. A mulher, professora aposentada, faz trabalho voluntário na capital paulista. Só ele diz não ter motivos para reclamar de estresse no trânsito: além de morar, também trabalha em São Caetano, que, mesmo sendo líder em motorização e tendo lentidão acentuada nas principais vias, não chega a ter as filas de carros parados conhecidas dos paulistanos.
"Nunca direi para a minha mulher que cheguei atrasado por causa do trânsito. Quando estou saindo do serviço, ela já põe meu prato para esquentar", afirma Satkunas, que trabalha a seis quilômetros de casa e demora de oito a dez minutos no deslocamento.
A realidade da família do engenheiro já dá explicações para os motivos que tornam a cidade do ABC a mais motorizada do país. Há também outros indicadores, como o econômico. A cidade possui a segunda maior renda per capita no Brasil (R$ 834 mensais). Ainda, a fábrica da GM, que abriga mais de 7.000 empregados e onde Satkunas é diretor -pela função, tem direito a carro-, ajudou a desenvolver a região.
Com a presença da montadora, além da frota dela registrada no município, os funcionários recebem facilidades para a compra dos carros. "Muita gente trabalha lá. Talvez seja natural que, nesse ambiente, os moradores gostem ainda mais de automóvel", afirma Moacir Guirão, 48, diretor de Transportes e Vias Públicas de São Caetano. "Nenhuma linha de transporte demora mais de 15 minutos. Os ônibus perderam 30% dos passageiros em sete anos. A população não os utiliza por comodidade", diz.
A família de Guirão, que também já foi um apaixonado na juventude por carro ("eu colocava som, acessórios"), contribui para a motorização da cidade: ele, a ex-mulher e os dois filhos, de 23 e 28 anos, todos têm seu próprio carro. "O de 16 anos também deve ganhar um quando fizer 18."

Caos
Vizinha de São Paulo e a 12 km de distância do centro da capital paulista, São Caetano tem uma área de 15,3 m2 (9,4 parques Ibirapuera) e 230 km lineares de vias públicas -nenhuma de terra. Só os veículos de quatro rodas de passeio seriam suficientes para fazer uma fila superior a 300 km. "Se toda a frota daqui fosse para a rua ao mesmo tempo, ficaria caótico", avalia Guirão.
Mas, afinal, com tanto automóvel, por que ela não pára? A família Satkunas é, mais uma vez, um exemplo para essa resposta. Dos quatro moradores da casa do engenheiro, somente ele tem suas principais atividades dentro do município. São Caetano é, para muitos, uma cidade-dormitório.
O diretor de Transportes e Vias Públicas ainda acrescenta que, embora seja famosa no ABC somente pela avenida Goiás, os moradores são bons conhecedores do restante do sistema viário, que facilita os caminhos alternativos. "Eu tenho quatro opções de trajeto para ir trabalhar. A diferença de tempo entre eles não passa de dois minutos", confirma Satkunas.
A avenida Goiás é um símbolo do vínculo com os carros: abriga 29 lojas que vendem automóveis em seus quatro quilômetros de extensão, uma a cada 140 metros.
A pedagoga Sílvia Madruga da Silva, 55, cuja família, de cinco pessoas, mantém cinco carros na garagem, gosta do "ritmo" dos habitantes. "É outro mundo, não existe aquele desespero", diz.
Roberto Leandrini Júnior, líder da associação de bairro do Jardim São Caetano, que reúne as principais mansões da cidade, conta que a falta de radares de controle da velocidade é uma das "vantagens". "Não existe a indústria da multa", afirma ele, embora os técnicos municipais reconheçam a necessidade de implantar os equipamentos para a redução de acidentes -medida ainda não adotada principalmente devido ao desgaste popular que traria à prefeitura, que priorizou os serviços de socorro às vítimas (com média de atendimento em três minutos).
Com tanto carro, os furtos e roubos são uma preocupação -a média de 1.603 ocorrências por 100 mil habitantes em 2002 superou a do Estado (500) e a da capital paulista (909). "Nos prédios antigos, não há vagas suficientes e os carros ficam na rua. Os ladrões já perceberam", afirma Guirão.

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