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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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SAÚDE

78% dos casos de rouquidão na infância têm como origem nódulos; uso inadequado da voz pode originar problema

Calo nas cordas vocais deixa criança rouca

BERTA MARCHIORI
DA REDAÇÃO

Depois de jogar uma partida de futebol com os amigos do prédio, Fabrizio Fancio aparece rouco para falar com a Folha. Engana-se quem pensa que ele se esgoelou durante o jogo. Aquela voz, mais grave e áspera do que à das outras crianças de oito anos, é consequência da tensão que sentiu ao sofrer uma falta feia e dos calos que tem em suas cordas vocais.
Quase sempre associados a cantores e professores, os nódulos nas pregas vocais -nome correto para a expressão usada acima- também aparecem em crianças.
Pesquisas indicam de 3% a 8% de incidência de disfonia (alteração de voz, principalmente rouquidão) infantil na população. E cerca de 78% dos casos de rouquidão constante em crianças têm como origem nódulos.
O otorrinolaringologista Denilson Fomin, 37, da USP-Ribeirão Preto e do hospital Albert Einstein, atenta para o fato de que nem toda rouquidão é causada por nódulos e ressalta a importância de se fazer um diagnóstico preciso. O médico deve analisar a história clínica da criança e fazer um exame chamado laringoscopia.
O nódulo é uma inflamação na mucosa que reveste a prega vocal, causada por trauma constante. Quando abusamos da voz, ou se a usamos inadequadamente, com muita força ou tensionando o pescoço, as pregas vocais ficam em atrito, lesionando-as. Se esse comportamento é constante, a mucosa não consegue se recuperar, e os nódulos podem aparecer.
Como a voz é produzida pela vibração do ar passando pelas pregas, se elas estão lesionadas, a criança geralmente fica rouca, pode apresentar falhas na voz, escape de ar (voz soprosa) ou ainda fazer um esforço visível para falar.
Esse é o caso do são-paulino Fabrizio. Sua mãe, a secretária bilíngue Liliana Fancio, 46, conta que, desde pequeno, de tanta força que Fabrizio fazia para falar, as veias de seu pescoço chegavam a saltar. Os nódulos foram detectados quando ele tinha quatro ou cinco anos, em uma laringoscopia.
A mãe diz que ele chega a perder a voz quando fica nervoso, mesmo sem gritar excessivamente. De acordo com ela, Fabrizio, um garoto muito independente e ativo, acaba descarregando a tensão do dia-a-dia nas pregas vocais.
A fonoaudióloga de Fabrizio, Flávia Villin Denunci, 40, ligada à PUC-SP e ao Hospital do Servidor Público Municipal, é uma das adeptas da tese de que a forma como a criança lida com as frustrações também tem papel fundamental no desenvolvimento ou não dos nódulos. Sem negar outros fatores, defende que crianças que não conseguem expressar suas emoções eficientemente tendem a ter o problema.
Entre esses fatores, explica a fonoaudióloga Mara Behlau, 47, diretora do Centro de Estudos da Voz, em São Paulo, e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz, estão a própria laringe infantil -mais predisposta ao problema devido à imaturidade dos tecidos e cartilagens-, ambiente familiar e escolar competitivo e ruidoso, além de outros problemas físicos, como alergia.
O tratamento é feito com terapia fonoaudiológica, acompanhada por um otorrinolaringologista. A cirurgia é rara.
Se não for tratado, diz a fonoaudióloga Zuleica Camargo, 37, da PUC e do Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica, o nódulo tende a continuar, podendo originar problemas na comunicação oral. Ela diz que, se a criança tiver o nódulo durante a fase de aquisição de linguagem (até os seis anos), poderá ter dificuldade em transmitir alguns sons e até na escrita. Fomin explica ainda que o não-tratamento poderá levar o nódulo a se tornar uma cicatriz permanente, o que deixaria o paciente com uma voz rouca constante.

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