São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Maquinista já presenciou 3 suicídios

DA REPORTAGEM LOCAL

Além do acidente do mês passado em Perus, que deixou nove mortes, o maquinista Osvaldo Pierucci passou por outros traumas. Desde 1996, quando entrou na CPTM, ele esteve envolvido em três atropelamentos fatais.
"O primeiro foi assustador. Uma pessoa estava deitada nos trilhos, logo depois uma curva", conta. "Sobrou um pedaço para cada lado." Em estado de choque, Pierucci teve que ir para casa.
As outras duas ocorrências também foram suicídio. "As pessoas se jogaram na frente do trem." Acostumado, ele voltou ao trabalho no mesmo dia.
Pierucci encarou como "consequência da profissão" o choque entre dois trens no dia 28. "A diferença, desta vez, é que minha vida virou de pernas para o ar."
Após ser informado do acidente, o maquinista foi até a estação Perus, mas não conseguiu se aproximar das vítimas. "Vi a destruição de longe. Estava desesperado. No dia seguinte, pensei: a minha parte foi feita."
Aos 34 anos, Pierucci já trabalhou como agente de estação na antiga CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) e como professor de uma escola pública. Chegou a fazer dois anos de matemática em uma faculdade particular. Trancou a matrícula para se casar e cuidar do casal de filhos: Tauane, 6, e Kevin, 4.
Ele também já tentou seguir a carreira política: foi candidato a vereador em Francisco Morato (Grande São Paulo) nas últimas eleições. Teve 150 votos. Não conseguiu se eleger. "Decidi me candidatar por sugestão de uma amiga. Nem me lembro do partido. Acho que era PRN."
O gasto dele com a escola dos filhos é de R$ 230 mensais. O salário de maquinista não passa de R$ 1.000. As crianças não param de perguntar sobre o acidente. "Elas ficam brincando de repórter. "Pai, como é que foi?'"
O trabalho ferroviário já virou tradição na família de Pierucci. O pai, Manir, 63, trabalhou a vida toda em estação de trem. Seu irmão Evandro, 27, está fazendo curso para ser maquinista da CPTM. "Ele começou o treinamento dias antes do acidente. Até pensou em desistir. Mas expliquei que ele tinha que se acostumar", afirma Pierucci.
Cléber, 20, irmão mais novo, também quer ser ferroviário: "Só estou esperando abrir concurso para tentar", afirma.
Durante toda a vida, Pierucci morou na casa dos pais, em Francisco Morato. Mesmo casado, vive "grudado" na família. Mora com a mulher e os filhos em uma casa que fica no mesmo terreno da dos pais.
Pierucci afirma que, mais difícil do que o dia do acidente, foi quando o secretário dos Transportes Metropolitanos, Cláudio de Senna Frederico, sugeriu que ele era o culpado.
"Estava fora de casa. Meu irmão mais novo me ligou: "O secretário disse que a culpa foi sua". Fiquei abalado e indignado. Ele estava me acusando pela morte de nove pessoas, jogando toda a população contra mim. E as investigações nem estavam prontas."
Desde a última quarta, Pierucci está fazendo trabalhos burocráticos dentro da CPTM. "É um pouco monótono", afirma. Ainda não definiram direito o que ele deve fazer. Por enquanto, confere o ponto dos funcionários.
Apontado como culpado no relatório da empresa, ele não sabe se vai ser demitido.
"O trabalho de maquinista é cansativo. Não há margem para descuido. Já tive que descer do trem para tirar carcaça de geladeira do meio da via", afirma. "Mas esse é um serviço que eu gosto. Meu desejo é continuar." (AI)

Texto Anterior: Transporte: Trens matam um a cada quatro dias em SP
Próximo Texto: Patrimônio: Sítio histórico do Rio é invadido por favelas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.