São Paulo, terça-feira, 20 de agosto de 2002

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ASSISTENCIALISMO

Alunos que gritam em sala de aula são isolados em banheiros e obrigados a tomar mistura de vinagre e boldo

Entidade usa castigo na educação de autistas

ROGÉRIO PAGNAN
DA FOLHA RIBEIRÃO

ALLAN DE ABREU
FREE-LANCE PARA A FOLHA RIBEIRÃO

A direção da AMA (Associação de Amigos do Autista) de Ribeirão Preto (a 314 km de São Paulo) adotou um programa pedagógico que utiliza o castigo como forma de inibir o comportamento agressivo dos alunos.
A criança que gritar na sala de aula, por exemplo, é obrigada a ingerir uma mistura de vinagre com boldo (planta de sabor amargo) ou é trancada no banheiro para que não volte a ter o mesmo comportamento.
"O objetivo [do programa" é dessensibilizar os comportamentos inadequados", disse a coordenadora da AMA de Ribeirão, Camila Goes Sampaio do Amaral.
A AMA é uma entidade sem fins lucrativos destinada a cuidar de autistas, que sofrem de um transtorno psíquico caracterizado pela recusa em relacionar-se com outras pessoas.
A aplicação dos castigos foi descoberta pelas mães quando algumas crianças começaram a apresentar problemas de saúde. "Ela [a filha" tinha vômitos, diarréia e apresentava a boca cheia de feridas", disse a funcionária pública R. M. M., mãe de um dos 46 alunos que são atendidos pela associação de Ribeirão Preto.
No final do mês passado, funcionárias da AMA chegaram a incentivar a utilização da mistura de boldo até mesmo em casa, para dar continuidade ao "tratamento". "Ela [uma funcionária" disse para amassar o boldo com vinagre, colocar um pouquinho de água e dar para o meu filho", afirmou a musicoterapeuta M. L. F.
Insatisfeitas com o programa, as famílias procuraram a entidade para pedir explicações e tiveram a resposta de que esse método era uma adaptação do método behaviorista, que buscava um melhor rendimento dos alunos.
O behaviorismo é um método desenvolvido pelo norte-americano Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) que prima pelo incentivo para atitudes consideradas boas e pela repreensão para as consideradas ruins.
Para a psicóloga da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto Maria Lucimar Fortes Paiva, o behaviorismo não prega castigo em sua essência e deve ter sido distorcido pela entidade. "Esse não é o caminho para educar uma criança autista", disse.
Para a presidente da Associação Brasileira de Autismo, Maria do Carmo Tourinho Ribeiro Vieira, indicada pelo Ministério da Saúde para falar sobre o assunto, as técnicas utilizadas em Ribeirão Preto são passíveis de apuração pelo Ministério Público. "Acho desumano esse tipo de tratamento."
A superintendente da AMA de São Paulo, Marisa Furia Silva, afirmou desconhecer os métodos adotados em Ribeirão Preto, porque as direções das unidades são distintas e autônomas. Disse, porém, que desaconselha o tratamento à base de castigos.
Ainda segundo ela, se irregularidades forem comprovadas, a direção em São Paulo pode suspender a utilização da "marca" AMA.
O promotor da Pessoa Deficiente de Ribeirão, Carlos Cezar Barbosa, afirmou que não tinha sido informado sobre o assunto, mas que irá apurar o caso.
A coordenadoria da AMA de Ribeirão confirmou a utilização da mistura do boldo e do confinamento de alunos no banheiro da entidade, mas nega que as práticas sejam castigos.


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