São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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GILBERTO DIMENSTEIN

Proibido não conhecer o Jd. Ângela

QUEM ENTENDER o que está por trás dos números do Jardim Ângela, um conglomerado de favelas na zona sul de São Paulo, com 250 mil habitantes, estará aprendendo a reduzir a violência no país. Sua taxa de homicídios caiu em 75%, entre 1991 e 2005. Durante 50 dias, no ano passado, ninguém morreu assassinado.
Esse movimento teve impacto nas demais estatísticas criminais de delegacias próximas, responsáveis por outros bairros além do Jardim Ângela. No 100º Distrito Policial, de janeiro a julho deste ano, em comparação com o mesmo período de 2002, o índice de roubos, em geral, despencou em 52%; o de roubos de veículos caiu em 70%.
 
O debate sobre a violência na sucessão é, até o momento, de uma pobreza estrondosa, pelo simples motivo de que não se apresentam planos de construção dessas complexas redes nem se prevê um projeto específico para as metrópoles. Os tucanos tentam associar o PT ao PCC, o que é uma óbvia baixaria. O PT fala que os ataques do PCC são resultado do caos da segurança em São Paulo, quando, na verdade, são uma reação ao jogo duro contra a organização exercido pelo governo.
O Jardim Ângela foge do discurso fácil e das soluções simplistas: mostra que a combinação de repressão com prevenção, a partir da articulação local, funciona. É o que se vê em Bogotá, onde a taxa de homicídios desabou, em poucos anos, em 75%, redução semelhante à de Nova York.
 
Depois que o Jardim Ângela foi considerado a região mais violenta do planeta, iniciou-se ali, em 1996, uma mobilização liderada pelo padre irlandês Jayme Crowne. Surgiu o Fórum de Defesa da Vida, que hoje aglutina 200 entidades. Dessa pressão, foram criadas ali cinco bases de policiamento comunitário. Como os policiais tinham de conviver com a população, ganharam confiança e receberam informações sobre quem eram e onde estavam os criminosos.
Conseguiu-se, nesse processo, combinar Polícia Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal. Paralelamente à rede de proteção policial montou-se uma rede de proteção social, sempre envolvendo a teia de parcerias. Para trabalhar com ex-internos da Febem, agora em liberdade assistida, associaram-se prefeitura, Abrinq e Telefônica. Na sexta passada, aliás, cerca de mil funcionários da Telefônica foram ao Jardim Ângela para um mutirão de reformas de espaços coletivos.
 
Graças a esse tipo de mobilização, recuperaram-se praças, clubes e escolas. Ofereceram-se programas de esporte, atividades de complementação escolar, tratamento contra o abuso de drogas e álcool. Com um acordo envolvendo o Ministério Público, acertou-se a redução do horário de fechamento dos bares. A prefeitura ofereceu abrigos para crianças e proteção às famílias em situação de risco, além de um núcleo para combater a violência doméstica. No ano passado, foi lançada a Casa do Adolescente, para tentar evitar a gravidez precoce.
Acrescentem-se aí as dezenas de milhares de bolsas de renda compostas por recursos municipais, estaduais e federais -por serem integradas, o valor das bolsas aumentou.
 
Nem de longe o Jardim Ângela virou um paraíso, muito pelo contrário. Está distante, muito distante, de ser o campeão mundial da violência, mas ainda continua bem acima da média brasileira da criminalidade. Jayme Crowne está preocupado, especialmente, com o número de jovens sem perspectivas educacionais ou profissionais. "Esse é o ovo da serpente", diz São no Brasil 7 milhões de jovens, entre 14 e 25 anos, que nem estudam nem trabalham. Isso mostra que temos duas bombas que se juntam -a dos jovens e a das metrópoles.
 
Mas o que eles estão construindo, em essência, é um software de gestão para áreas conflagradas, por englobar do policiamento à gravidez precoce, passando pelo tratamento de viciados e pela educação em tempo integral. Em vez de ficarem trocando acusações em torno do PCC, os candidatos fariam melhor se estudassem o caso do Jardim Ângela, cujo sucesso está no fato de não ter um autor, um partido, um governo. O PT e o PSDB têm crédito nessa experiência, com a qual se vê que a saída social brasileira reside em larga medida na habilidade de as comunidades se organizarem, mobilizarem seus indivíduos e aumentarem a eficiência dos recursos públicos.
 
Contra o crime organizado, o que funciona é a sociedade organizada.
 
P.S. - Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) um dossiê sobre o Jardim Ângela.

gdimen@uol.com.br

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