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São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 2003

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SAÚDE BUCAL

Apenas 40% adotam procedimento que pode reduzir substancialmente as taxas de dentes com cáries ou perdidos

Maioria das cidades não tem água com flúor

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Cinquenta anos depois da primeira fluoretação do Brasil e passados quase 30 anos desde que uma lei tornou a medida obrigatória, 60% dos municípios brasileiros ainda não têm o flúor na água consumida por sua população. Essa substância tem potencialidade para reduzir em 60% os índices de dentes cariados, perdidos e obturados.
Segundo avaliação precária do Ministério da Saúde, que preparou uma comemoração para o cinquentenário na próxima semana, a cobertura populacional da fluoretação não passa de 70 milhões de pessoas (56,4%). Nenhum morador do Acre, do Amazonas, do Maranhão, da Paraíba e do Rio Grande do Norte teve acesso a esse benefício até hoje.
Está comprovado que o uso do flúor tem resultados positivos nas populações de menor renda. O impacto é alto, e o custo, baixo.
O CDC (Centro de Controle de Doenças dos EUA) calcula que manter uma pessoa beneficiada pela fluoretação ao longo de toda a vida custa o equivalente a uma restauração dentária.
No Brasil, o estudo clássico estima o custo anual em R$ 0,50/habitante. Por tudo isso, a fluoretação é considerada uma das dez maiores conquistas da saúde pública no século passado.
É ao flúor, principalmente, que os especialistas devem a queda do índice CPO (de dentes cariados, perdidos e obturados) entre crianças no país. Só no Estado de São Paulo, houve redução de 64% em dez anos, até 2002.
Levantamento em curso sobre a saúde bucal do brasileiro mostra que hoje, na faixa dos 12 anos, o índice é 3,2, em média, no país, próximo da meta da Organização Mundial da Saúde -taxa menor ou igual a 3 nessa faixa etária.
Paulo Capel Narvai, professor de Saúde Bucal Coletiva da Faculdade de Saúde Pública da USP, relata que estudos que comparam crianças de municípios com águas fluoretadas com as de cidades que não aplicam a medida mostram que as primeiras têm índices de dentes adoecidos até 30% menor do que as outras.
Em média, adultos que habitam cidades paulistas com água fluoretada tinham um dente atacado por cárie a menos do que os que moravam em municípios sem fluoretação, mostrou outro estudo, do dentista Paulo Frazão.
O fato de o governo dispor de dados precários sobre os dentes dos brasileiros "é uma amostra do descaso com que a saúde bucal foi tratada nos últimos anos", afirma Gilberto Alfredo Pucca Júnior, coordenador de Saúde Bucal do Ministério da Saúde.
As informações até agora eram obtidas em pesquisas por telefone com os municípios. Não é possível, portanto, saber se a cobertura é total ou só de parte da cidade.
A partir de 2004, o governo promete incluir dados sobre fluoretação no Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento.
"Que a comemoração dos 50 anos sirva também para impulsionar essa medida. Mas há dificuldades que não serão superadas só com 'vontade de fazer'", afirma o professor Narvai.
"A expansão da fluoretação depende também da existência de sistemas de tratamento de água com as mínimas condições para receber a medida. E, aí, esbarra-se nas péssimas condições dos sistemas de abastecimento de água de muitos municípios e nos entraves ao saneamento em geral que se encontram em vários outros."
Segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 8,5% dos lares não têm acesso à água potável; 74,4% dos moradores dessas casas ganham menos de cinco salários mínimos.
Por lei, o monitoramento da fluoretação é descentralizado, de responsabilidade das prefeituras.
"Os conselhos municipais de saúde [órgãos de controle social] não dão importância, e isso caiu no esquecimento. Além disso, é grande a dispersão de empresas [fornecedoras de água] e demanda eficiência do governo local", justifica Pucca Júnior.
"A realidade dos municípios é muito diversa, temos Estados em que a padronização da fluoretação não existe", diz Silvio Fernandes da Silva, da diretoria do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde. "A questão é de políticas públicas para padronizar e controlar. E tenho a impressão de que também de apoio. Os que não têm estrutura precisam de capacitação."
"Nacionalmente, até hoje, faltou vontade política. O último período em que houve defesa intransigente da política de fluoretação no conjunto das políticas públicas foi no governo Sarney", diz Marcos Manfredini, ex-coordenador bucal de São Paulo e Santos.


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