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SAÚDE BUCAL
Apenas 40% adotam procedimento que pode reduzir substancialmente as taxas de dentes com cáries ou perdidos
Maioria das cidades não tem água com flúor
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
Cinquenta anos depois da primeira fluoretação do Brasil e passados quase 30 anos desde que
uma lei tornou a medida obrigatória, 60% dos municípios brasileiros ainda não têm o flúor na
água consumida por sua população. Essa substância tem potencialidade para reduzir em 60% os
índices de dentes cariados, perdidos e obturados.
Segundo avaliação precária do
Ministério da Saúde, que preparou uma comemoração para o
cinquentenário na próxima semana, a cobertura populacional
da fluoretação não passa de 70
milhões de pessoas (56,4%). Nenhum morador do Acre, do Amazonas, do Maranhão, da Paraíba e
do Rio Grande do Norte teve acesso a esse benefício até hoje.
Está comprovado que o uso do
flúor tem resultados positivos nas
populações de menor renda. O
impacto é alto, e o custo, baixo.
O CDC (Centro de Controle de
Doenças dos EUA) calcula que
manter uma pessoa beneficiada
pela fluoretação ao longo de toda
a vida custa o equivalente a uma
restauração dentária.
No Brasil, o estudo clássico estima o custo anual em R$ 0,50/habitante. Por tudo isso, a fluoretação é considerada uma das dez
maiores conquistas da saúde pública no século passado.
É ao flúor, principalmente, que
os especialistas devem a queda do
índice CPO (de dentes cariados,
perdidos e obturados) entre
crianças no país. Só no Estado de
São Paulo, houve redução de 64%
em dez anos, até 2002.
Levantamento em curso sobre a
saúde bucal do brasileiro mostra
que hoje, na faixa dos 12 anos, o
índice é 3,2, em média, no país,
próximo da meta da Organização
Mundial da Saúde -taxa menor
ou igual a 3 nessa faixa etária.
Paulo Capel Narvai, professor
de Saúde Bucal Coletiva da Faculdade de Saúde Pública da USP, relata que estudos que comparam
crianças de municípios com
águas fluoretadas com as de cidades que não aplicam a medida
mostram que as primeiras têm índices de dentes adoecidos até 30%
menor do que as outras.
Em média, adultos que habitam
cidades paulistas com água fluoretada tinham um dente atacado
por cárie a menos do que os que
moravam em municípios sem
fluoretação, mostrou outro estudo, do dentista Paulo Frazão.
O fato de o governo dispor de
dados precários sobre os dentes
dos brasileiros "é uma amostra do
descaso com que a saúde bucal foi
tratada nos últimos anos", afirma
Gilberto Alfredo Pucca Júnior,
coordenador de Saúde Bucal do
Ministério da Saúde.
As informações até agora eram
obtidas em pesquisas por telefone
com os municípios. Não é possível, portanto, saber se a cobertura
é total ou só de parte da cidade.
A partir de 2004, o governo promete incluir dados sobre fluoretação no Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento.
"Que a comemoração dos 50
anos sirva também para impulsionar essa medida. Mas há dificuldades que não serão superadas
só com 'vontade de fazer'", afirma
o professor Narvai.
"A expansão da fluoretação depende também da existência de
sistemas de tratamento de água
com as mínimas condições para
receber a medida. E, aí, esbarra-se
nas péssimas condições dos sistemas de abastecimento de água de
muitos municípios e nos entraves
ao saneamento em geral que se
encontram em vários outros."
Segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 8,5% dos lares não têm acesso
à água potável; 74,4% dos moradores dessas casas ganham menos de cinco salários mínimos.
Por lei, o monitoramento da
fluoretação é descentralizado, de
responsabilidade das prefeituras.
"Os conselhos municipais de
saúde [órgãos de controle social]
não dão importância, e isso caiu
no esquecimento. Além disso, é
grande a dispersão de empresas
[fornecedoras de água] e demanda eficiência do governo local",
justifica Pucca Júnior.
"A realidade dos municípios é
muito diversa, temos Estados em
que a padronização da fluoretação não existe", diz Silvio Fernandes da Silva, da diretoria do Conselho Nacional dos Secretários
Municipais de Saúde. "A questão
é de políticas públicas para padronizar e controlar. E tenho a impressão de que também de apoio.
Os que não têm estrutura precisam de capacitação."
"Nacionalmente, até hoje, faltou
vontade política. O último período em que houve defesa intransigente da política de fluoretação
no conjunto das políticas públicas
foi no governo Sarney", diz Marcos Manfredini, ex-coordenador
bucal de São Paulo e Santos.
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