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São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 2003

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MOACYR SCLIAR

Nomes e produtos

Pais dão nome de produtos a bebês. Levantamento realizado em cartórios civis do interior de São Paulo e da capital paulista revela que cresceu o número de famílias registrando os filhos como Bonna (margarina), Eno (antiácido), Adria (massas), Ariel (sabão em pó) e Gillette (lâmina de barbear). Nos EUA, a marca Lexus, da Toyota, emprestou o seu nome para 311 meninas no ano passado. Ainda fazem parte dos nomes preferidos pelos americanos as marcas Armani, Chanel, Porsche, Fanta, Guiness e Nivea. Folha Dinheiro, 11.out.03


Se havia pessoa que Rosana invejasse, era sua cunhada Camila. Não sem razão, aliás; notável empreendedora, tudo que Camila fazia dava certo. Durante anos trabalhara para empresas que ajudara a enriquecer, até que por fim decidira abrir o seu próprio negócio. E tudo indicava que teria êxito; o plano era fabricar um novo produto alimentício, uma mistura de cereais denominada Mix. Por coincidência, Rosana tinha acabado de ter um bebê, uma menina, e precisava registrá-la. No cartório, quando a encarregada perguntou que nome teria a criança, não hesitou: Mix, respondeu, prontamente.
O marido ficou furioso. Haviam combinado que o nome da filha seria Daniela; mesmo que Rosana quisesse mudar, não poderia fazê-lo sem consultá-lo. E, sobretudo, não poderia ter escolhido um nome tão estranho. Rosana, porém, simplesmente ignorou a raiva do marido: com o nome de Mix, a menina certamente seria uma vencedora; afinal, Camila nunca errava. A cunhada, por sua vez, sentiu-se envaidecida e prometeu que a sobrinha receberia Mix de graça por toda a vida.
Isso, no entanto, não aconteceria. Por uma única razão: Mix (o produto, não a menina) não deu certo. Apesar de todas as pesquisas prévias, de todos os estudos, o público simplesmente ignorou a nova mistura de cereais. Em breve Camila fechava a empresa. Não desistiu, contudo. Agora fabricaria um detergente chamado Alva, que tinha tudo para emplacar. Quando Rosana ouviu a notícia, ficou perplexa; mas, logo em seguida, decidiu: foi ao cartório e trocou o nome da filha de Mix para Alva. De novo, o marido teve um ataque de fúria; de novo, ela o ignorou.
Alva, infelizmente, não emplacou; três meses depois, a empresa estava fechada, e Camila partiu para Kela, uma nova marca de sorvete. Alva, ex-Mix, virou Kela. E depois virou Trina (alimento para pássaros). E depois virou Gula, bolacha recheada.
Nada funcionava. Mesmo assim, e apesar de a filha já estar com um ano e meio, Rosana não desistia. Quando Camila disse que iria fabricar sandálias, de imediato perguntou a marca. Mas desta vez Camila não lhe disse; tinha uma proposta diferente. No novo ramo, enfrentaria um poderoso concorrente, o fabricante da famosa sandália Thespis. Pois esse era o nome que Rosana deveria dar à filha. Baseada na experiência anterior, Camila estava segura de que a fábrica Thespis em breve estaria quebrada.
Nomes, como se sabe, são coisas poderosas. Condicionam o destino das pessoas. E às vezes são capazes até de revolucionar o mercado.


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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